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2020: Perspectiva de mudança eleitoral nos Estados Unidos

13/01/2020 11:19:29 / por BMJ Consultores

Por Enrico Cipelli, Nicholas Borges, sob supervisão de Lucas Fernandes

 

O processo de Impeachment aberto contra o atual presidente norte-americano Donald Trump às vésperas da eleição presidencial de 2020 abalou o cenário político do país, trazendo incertezas e reviravoltas para as perspectivas da manutenção do atual presidente no poder, sua eventual destituição ou derrota nas urnas no próximo ano. Tendo esse cenário em perspectiva, faz-se necessário melhor compreender o funcionamento do sistema político americano, seus atores e relacionamento com a população, que é composta por massas de eleitores completamente distintos e com crenças e visões diversas.

Primeiramente, vale ressaltar que o sistema eleitoral americano é bastante distinto do brasileiro e apresenta suas complexidades. Os Estados Unidos adotam o chamado colégio eleitoral que trabalha com base nos estados e seus delegados, ganhando o candidato que obtiver o maior número de delegados – sendo necessários 270 dos 538 para eleger um presidente. Cada estado possui um número de delegados e o candidato majoritário no voto popular em cada estado leva todos os seus delegados. A única exceção são os estados de Maine e Nebraska, que possuem regras distintas.

Diferentemente do Brasil, as eleições nos Estados Unidos acontecem de maneira indireta. Ou seja, mesmo que um candidato receba a maioria dos votos populares, ganha aquele que soma o maior número de delegados. Foi o que ocorreu em 2016, quando Hilary Clinton obteve aproximadamente 3 milhões de votos a mais que Donald Trump, mas venceu em apenas 20 estados e em Washington D.C, enquanto Trump venceu em 30. Caso similar a disputa de 1999 quando o candidato Al Gore (Democrata) ganhou no voto popular, mas não conquistou a maioria de delegados, sendo eleito o presidente George W. Bush (Republicano). Compreende-se então que será eleito aquele que conseguir o maior número de estados e não de votos válidos. O mesmo ocorreu em outras três ocasiões na história do país.

A eleição de 2016 representou outras mudanças no panorama político dos Estados Unidos. A repercussão midiática por meio das redes socais e veículos tradicionais de comunicação refletiram fortemente sobre os discursos que se voltaram para questões migratórias, mudanças climáticas, multilateralismo e relações exteriores. Os EUA tradicionalmente apresentam uma interação muito próxima entre representantes e representados, mas mudanças sociais e comportamentais geraram canais de diálogo ainda mais dinâmicos e diretos. Também se viu um aumento na descrença dos veículos tradicionais de informação.

Atualmente, os Democratas, que controlam a Câmara dos Deputados (House of Representatives), têm a difícil missão de impedir a reeleição de Trump, encarando um desafio similar à eleição de 2004, quando o candidato John Kerry perdeu o pleito contra o presidente George W. Bush, que buscava sua reeleição. Nos Estados Unidos, como no Brasil, a reeleição costuma ocorrer, já que o candidato que se encontra empossado possui a máquina pública a seu favor, aumentando sua influência política e chances de reeleição. No caso de 2020, a mudança no cenário eleitoral consiste na forma de relacionamento da classe política com seus eleitores e as novas tecnologias de informação e conectividade que aproximaram os eleitores de Washington D.C., tendo grande repercussão sobre os resultados nas urnas.

Apesar de algumas crises e demissões que circundaram a Casa Branca, o presidente Trump conseguiu manter uma leva fiel de eleitores que o acompanham através de sua popular conta na rede social Twitter, repudiando os veículos de comunicação mais associados aos Democratas, como a emissora CNN e o jornal The New York Times, intitulados pelo presidente como disseminadores de Fake News. Dentre seus eleitores destacam-se brancos de baixa renda e baixa escolaridade descontentes com os altos números de imigração; os produtores rurais, principalmente de regiões como o centro-oeste americano, onde os produtores locais se viram negativamente afetados pela globalização; e os mercados internacionais.

Trump também foi vitorioso em grandes e médias empresas que defendem redução de impostos e menor regulamentação de seus negócios, além de grupos religiosos que defendem pautas mais conservadoras, situação não muito divergente do presidente Jair Bolsonaro no Brasil.

Nas eleições de 2020, Trump deve receber o mesmo apoio de 2016 e manter um discurso de campanha similar, atacando o multilateralismo e exaltando o “patriotismo americano” e o protecionismo de sua economia.

Os Democratas, por sua vez, estão no processo de escolher o candidato que representará o partido nas urnas. Dentre os nomes cotados, destacam-se: Joe Biden (ex-vice-presidente de Barak Obama), Elizabeth Warren (senadora pelo estado de Massachusetts) e Bernie Sanders (senador pelo estado de Vermont). O partido realizará eleições primárias para definir o candidato no início de 2020. A expectativa é que os Democratas adotem uma linha moderada na escolha do seu candidato, já que o partido aparenta estar rachado entre membros mais conservadores e mais à esquerda, não demonstrando consistência quanto às pautas que darão rumo às eleições presidenciais.

Warren hoje lidera as intenções de votos entre os eleitores Democratas e representa uma ala mais progressista do partido, fato que pode potencializar a adesão do eleitorado mais conservador ao magnata Donald Trump. Dentre as propostas da ala mais à esquerda dos Democratas estão: críticas à desigualdade de renda no país, a defesa pela universalização da saúde, ensino universitário gratuito e taxação das grandes fortunas – propostas bem recebidas pelos novos eleitores, conhecidos como millenials.

No momento, Trump possui vantagem, pois já sendo o escolhido pelo partido republicano, pode, desde já, desfrutar de uma campanha sem um oponente definido e os pré-candidatos Democratas sofrem grande desgaste eleitoral no período das primárias, já que estão em competição entre si, afetando seu desempenho na eleição final. É importante ressaltar que o partido republicano não apresenta unanimidade quanto ao endosso ao atual presidente. De todo modo, Trump foi capaz de manter sua base eleitoral mais ideológica durante seu mandato e conta com índices econômicos favoráveis para sua reeleição. O Departamento do Trabalho dos EUA apontou que no último mês de agosto a taxa de desemprego era de 3,5%, a menor nos últimos 50 anos.

O cenário pesa ainda mais para os Democratas, que hoje se preocupam em lançar uma outra candidatura feminina, por exemplo. Um levantamento do The Daily Beast, aponta que 74% do eleitorado masculino dos Democratas votaria em uma mulher, mas desse contingente, 84% afirmaram que preferem assegurar a candidatura que seja de fato capaz de impedir a reeleição de Trump. O voto dos eleitores independentes será decisivo para o pleito de 2020, sendo necessário que o candidato democrata os motive a votar, já que para Trump é positivo que menos pessoas compareçam às urnas.

Nas eleições legislativas de 2018, o partido Democrata conseguiu vitória significativa no Congresso, obtendo a maioria dos representantes em mais de 15 anos. Além disso, aumentaram o número de governos estaduais e o controle sobre assembleias legislativas estaduais. Todavia, os Republicanos seguem com a maioria do Senado e, devido às indicações para a Suprema Corte de Brett Kavanaugh e Neil Gorsuch, a corte também mantém um viés conservador.

As eleições de 2018 marcaram uma mudança no debate político norte-americano. Foram abordadas pautas de minorias, como direitos LGBT, questões igualitárias de gênero e raça, melhoria dos planos de saúde, entre outras. Como resultado, as urnas registraram números recordes, pois grupos que normalmente se abstinham de votar apresentaram-se às urnas. Agora, o grande desafio para o partido Democratas será repetir esse feito histórico, tendo em mente que a população norte-americana historicamente não se engaja em eleições presidenciais.

A abertura do processo de impeachment e sua recente aprovação na Câmara dos Deputados é a maior problemática para a reeleição de Donald Trump. Apesar da tendência de que o processo não encontre espaço político favorável no Senado, o processo tem gerado grande desgaste para Trump e polarizou ainda mais o eleitorado americano.

O presidente foi acusado de oferecer ajuda militar no valor de US$ 40 milhões para que o presidente da Ucrânia investigasse o pré-candidato democrata Joe Biden e seu filho Hunter Biden. A oposição vê o movimento como uma clara interferência nas eleições do próximo ano, já que Biden seria o candidato democrata, que até então, teria mais chances de vencer Trump nas eleições.

Por outro lado, o episódio pode ter um efeito revés para os Democratas, já que simultaneamente demonstra a posição incisiva da oposição contra Trump, tendo reflexos negativos para os Democratas e seus candidatos, que podem ser vistos como disseminadores de um processo ilegítimo contra Trump, especialmente Joe Biden, que já vem perdendo popularidade e espaço para Elizabeth Warren nas intenções de voto.

Normalmente o processo de impeachment não é bem visto nos Estados Unidos, como no ocorrido com o presidente Bill Clinton, que venceu o processo no Senado e assegurou sua reeleição. Trump deverá usar do episódio como discurso para deslegitimar os Democratas, alegando que o processo não passou de uma tentativa de “golpe”. Pesquisas recentes mostram que 53% da população americana aprovam o impeachment, acreditando que o atual presidente tenha de fato interferido nas eleições. O resultado do processo deve ditar os próximos episódios da corrida eleitoral, além de ajudar a definir a estratégia a ser usada por ambos os partidos em 2020.

Tópicos: Estados Unidos, Eleições, Donald Trump

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