Desde o início do isolamento social, ainda que parcial, temos observado que grandes corporações, mais destacadamente as do setor industrial, vem sofrendo com a queda da atividade econômica. Com a pandemia, o consumo das famílias está concentrado nos bens de consumo não-duráveis e de primeira necessidade. Há também uma demanda por serviços de tecnologia da informação, de comunicação e de logística (delivery).
No entanto, os bens de consumo duráveis não estão sendo procurados, e isto afeta toda a cadeia de produção. É neste setor econômico que está ocorrendo a maior redução do emprego. Sem vender, não há por que produzir; sem produzir, não há por que manter os empregos.
Destarte este ser um problema mundial, uma vez que ainda não acharam o vírus em Marte, e sei que isto não vai demorar para acontecer; por que o impacto econômico no Brasil pode ser pior? A resposta a esta indagação está em outra pergunta: onde está o dinheiro?
A concentração de renda no Brasil é a segunda maior do planeta, 1% mais ricos detêm 28,3% da renda, os 10% mais ricos concentram 41,35% da renda, o que significa que os outros 90% têm direito a apenas 59,65% da renda[1]. Segundo o Banco Central, em 30 de abril deste ano, o saldo das contas de depósito à vista nas instituições financeiras totalizou R$ 221,5 bilhões, e as aplicações financeiras de renda fixa ou de renda variável montavam R$ 4,5 trilhões[2], do valor depositado nestes fundos, 58% está aplicado em fundos de renda fixa. Não resta dúvida de que estes valores além de pertencerem, em sua grande maioria, aos 10% mais ricos, não capitalizam as empresas.
Um outro dado importante: do total de indústrias brasileiras, apenas 30% são de capital aberto, o restante ou são uma sociedade anônima fechada ou uma sociedade limitada, o que restringe muito a capacidade de obter recursos que não sejam originados do sistema financeiro, e que tem custos mais elevados.
Estes são alguns dos diversos indicadores que revelam o tamanho da desigualdade do país e seus reflexos, e que só poderá ser revertida com políticas públicas muito consistentes e muito tempo de educação.
O perfil de consumo dos 10% mais ricos e dos 90% menos ricos é diferente, isto é óbvio. Mas a recuperação da indústria passa pelos hábitos de consumo do segmento menos abastado. A razão para isto é a seguinte: os 10% mais ricos não adquirem bens em escala suficiente para promoverem uma recuperação sustentável.
Desde o final da década de 1970, a capacidade de poupança da população menos abastada desapareceu, e assim suas aquisições de bens e consumo duráveis são feitas com crédito, o que leva ao endividamento e à falência das famílias.
Como a redução de juros demora para refletir no crédito das pessoas físicas, especialmente nas altas taxas aplicadas por veículos de crédito mais democráticas, como o cartão de crédito e o carnê, ao adquirir bens de consumo duráveis os 90% menos ricos promovem mais concentração de renda.
Sem vender, a indústria não investe, não contrata e fica sem capital de giro, o que, no fim, faz com que seu padrão de risco cresça, gerando aumento de seus custos financeiros. As maiores corporações viam no crédito barato dos países estrangeiros uma saída. Mas agora, sem vender e com suas dívidas encarecidas pela desvalorização do Real, estão no mesmo caminho das famílias.
Já sabemos onde está o dinheiro e, em vista disso, podemos concluir que em um País com o perfil de distribuição de renda do Brasil, a solução não será fácil. Ninguém está imune ao vírus, nem a economia, nem o País e nem as pessoas.
[1] Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
[2] Banco Central do Brasil e Associação Brasileira das Entidades do Mercado Financeiro e de Capitais (ANBIMA).