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ANP: Nova diretoria e perspectivas para a Agência

01/05/2022 08:15:00 / por BMJ Consultores

Por Anna Carolina Marszolek, Leon Rangel, Victor Freitas e Vinícius Teixeira

A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) tem como papel central a regulação dos setores que dão seu nome através da promoção da livre concorrência, proteção dos consumidores e na concessão de autorizações para as atividades das indústrias reguladas. A agência também tem papel fundamental na fiscalização do cumprimento das normas nas atividades dos agentes regulados.

Dessa forma, sua função é tanto de estabelecer regras para o setor quanto de fiscalizá-las. Nesse sentido, a nova diretoria, que foi nomeada no último dia 19 de abril, será determinante para a persecução destes objetivos.

Na Diretoria I, Symone Christine de Santana Araújo está sendo reconduzida ao cargo para mandato até 27 de março de 2027. No Ministério de Minas e Energia (MME), Symone teve importante participação na elaboração e implementação do Novo Mercado de Gás. Já na ANP, foi relatora da redução das metas compulsórias no RenovaBio em 2021 com base na aposentadoria de CBIOs (créditos de carbono vinculados ao setor de biocombustíveis) não obrigados. Por possuir currículo extenso no setor de óleo e gás, com ampla experiência na formulação de políticas públicas e com contato com o setor privado, é esperado que a diretora se dedique, sobretudo, aos temas de biocombustíveis caso volte a ser responsável pela Superintendência de Biocombustíveis e Qualidade de Produtos (SBQ).


Para a Diretoria II, o nomeado foi Daniel Maia Vieira, com mandato até 10 de outubro de 2026. Daniel foi auditor federal no Tribunal de Contas da União (TCU), onde atuou na área de Infraestrutura com foco no setor de energia. Possui conhecimento mais generalizado do setor, com experiência em controle externo, viés relevante para a atividade regulatória, tendo acompanhado assuntos como planejamento da matriz energética, modicidade de preços de produtos, qualidade de serviços, marco regulatório do Pré-Sal e desinvestimento da Petrobras e Eletrobras.

Por sua vez, Fernando Wandscheer de Moura Alves foi o escolhido para a Diretoria III com mandato até 9 de novembro de 2026. Durante sua carreira pública, Alves atuou junto ao setor regulatório de óleo e gás, com foco na análise de oportunidades e compatibilidade de propostas que tramitaram no Congresso Nacional. No Ministério do Meio Ambiente, atuou na área de licenciamento ambiental e de grandes obras.

Para a Diretoria IV, o nome escolhido foi o de Cláudio Jorge Martins de Souza, com mandato até 21 de dezembro de 2023. Cabe destacar que Cláudio já era o Diretor Substituto na ANP da Diretoria II e é funcionário de carreira da agência desde 2005.

Possui ampla experiência em regulação do mercado de petróleo, gás natural e biocombustíveis; desenvolvimento da produção de petróleo e gás natural no Brasil; auditorias de gestão da qualidade e do meio ambiente; exploração em plataforma de petróleo e exploração e confecção de poços artesianos. Ademais, foi um dos responsáveis pela modernização do BDEP (Banco de Dados de Exploração e Produção) da ANP, tendo coordenado o banco por 7 anos e meio.

Cláudio foi indicado à diretoria da ANP para ocupar o cargo deixado por Felipe Kury em 2020. A cadeira vaga seria ocupada por Tabita Loureiro, cujo nome chegou a ser sabatinado e aprovado na Comissão de Infraestrutura do Senado em 2020, mas não foi votado em Plenário. Por ter um mandato mais reduzido quando comparado com os outros, poderemos ver, em breve, nova disputa política para nova indicação deste cargo, inclusive pela própria recondução de Cláudio de Souza, que, por ter ficado menos de 2 anos no mandato, poderá ser reconduzido .

Com exceção da Diretoria IV na pessoa do seu novo Diretor Cláudio de Souza, todos os demais mandatos da agência perdurarão durante quase toda a gestão do próximo governo federal (2023-2026). Nesse sentido, a renovação pode ter o potencial de gerar um alto impacto na medida em que o alinhamento da diretoria com certos componentes do atual governo poderia prejudicar o diálogo entre a agência e as políticas públicas federais em um eventual cenário de troca de comando do governo federal.

Com a definição do novo corpo diretor da agência, o principal desafio, no momento, é o aumento dos preços nas bombas dos postos de combustíveis e do gás de cozinha, que se tornou foco da agenda do Congresso Nacional e do Poder Executivo nos últimos meses. Existem projetos de lei que estão sendo elaborados e deliberados para mitigar os frequentes reajustes, o que aumenta, em certa medida, a pressão sobre a ANP, responsável pela regulação do setor e pela defesa do consumidor.

Do ponto de vista de desafios que devem estar mais atrelados ao cenário político, a depender do resultado das eleições presidenciais de 2022, ressalta-se a possibilidade de que o novo governo foque no avanço de privatizações. Caso Bolsonaro seja eleito, o plano de venda da Petrobras pode ser colocado em prática, o que implicará na atuação da agência sobre a avaliação, os impactos e a regulação do processo de privatização. De toda forma, a própria política de desinvestimentos da Petrobras já visa transferir refinarias para o controle privado, o que já traz mudanças na dinâmica do setor regulado, cabendo à agência papel essencial na garantia de uma transição adequada, com fins de se observar a garantia do abastecimento e a criação de um mercado competitivo, evitando distorções e fiscalizando potenciais irregularidades durante o processo.

Para além disso, a ANP também poderá enfrentar um novo desafio, compartilhado por outras agências reguladoras, fruto de uma movimentação no Congresso Nacional que pretende reformular o modelo de atuação das agências. A proposição que está sendo capitaneada pelo Instituto Unidos pelo Brasil (IUB) - junção de agentes do setor privado - é uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que pretende remodelar a competência das agências reguladoras. O próprio Presidente da República, Jair Bolsonaro, teceu críticas recentes à atuação das agências ao comentar que elas geram muitas dificuldades e entraves para o mercado.

A minuta da PEC foi desenhada pelo IUB e prevê que as agências e autarquias manteriam sua função de fiscalizar o cumprimento das leis e normas, mas a regulamentação infralegal passaria a ser feita por órgãos colegiados no âmbito de cada ministério e o julgamento das autuações ocorreriam em órgãos separados. O tema de maior controle de agências reguladoras sempre foi pauta da administração Bolsonaro, que ainda no começo de 2020 falou que “são autônomas, mas não são soberanas”. De toda forma, até a publicação deste artigo, a PEC é mais retórica do que prática, não havendo expectativa de que tramite.

Ainda assim, alguns desafios da agência para a administração futura permanecem, independentemente das perspectivas de cenário político para 2023, pois perpassam o futuro do setor do petróleo e o cenário de incerteza dos preços dos combustíveis e do gás natural. Entre esses desafios está justamente a discussão sobre como estabilizar os preços dos combustíveis. Isto porque os reflexos da alta dos preços têm impacto direto no aumento de outros produtos e serviços básicos e, por consequência, na inflação.

Endereçar o problema será necessário, ainda que, no âmbito da ANP, não haja competência para definição dos preços – papel que está nas mãos da Petrobras. Neste sentido, compete à ANP a regulação da qualidade dos combustíveis e a transição para a mencionada abertura do mercado de refino – ou seja, retirada ou alocação de custos indiretos no preço dos combustíveis pelo papel da regulação nos custos dos agentes produtores.

Por fim, vale destacar também o papel da nova diretoria sobre a regulação do gás natural, dada a aprovação do marco legal no início de 2021 . A nova legislação inclui diretrizes gerais que precisam ser detalhadas pela ANP relacionadas ao processamento, transporte e comercialização de gás, de forma a dar previsibilidade às negociações e favorecer o acesso isonômico e não-discriminatório aos novos agentes no mercado.

A nomeação de diretores titulares era altamente demandada pelo setor regulado justamente pela previsibilidade a ser dada ao mercado. Considerando o breve período entre o fim do primeiro mandato da diretora Symone e sua recondução, a ANP contava apenas com o Diretor-Geral Rodolfo Saboia como titular, sendo as outras vagas preenchidas por substitutos com rotatividade de seis meses. Desta forma, tendo em vista os distintos tópicos aqui levantados e que serão debatidos pela nova diretoria, a nomeação dos diretores confere maior estabilidade à regulação destas pautas, utilizando-se do grau de autonomia que possuem as agências e que, apesar de não soberanas, como ameaçou o Presidente da República, são peça fundamental para o funcionamento de mercados que, por natureza, são altamente regulados.

*Anna Carolina Marszolek é Consultora de Energia na BMJ.

*Leon Rangel é Coordenador de Energia na BMJ.

*Victor Freitas é Consultor de Energia na BMJ.

*Vinicius Teixeira é Consultor de Energia na BMJ.

 

Tópicos: Energia, Governo Federal, Privatização, Senado Federal, ANP, Combustíveis, Governo Bolsonaro, Petrobras, Agência reguladora

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