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A relação entre articulação política e investimentos: um exemplo prático

02/10/2019 14:46:43 / por Wagner Parente

A compra da Nextel pela América Móvil foi aprovada sem restrições pela superintendência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). No entanto, somente o Tribunal Administrativo de Defesa Econômica do órgão pode dar a palavra final nessa e em diversas outras operações de grande impacto para economia. Como o tribunal está paralisado desde 17 de julho, todas as operações relevantes que foram anunciadas desde então aguardam deliberação.

O tribunal é composto por sete membros, mas hoje apenas três vagas estão preenchidas – o presidente, Alexandre Barreto, e os conselheiros Paula Farani e Maurício Maia. São necessários pelo menos quatro membros para que haja deliberações.

Compete ao Presidente da República a indicação dos membros do Cade, com posterior sabatina e aprovação pelo Senado Federal.

Em maio, seguindo apenas a orientação dos Ministros Sérgio Moro e Paulo Guedes, Bolsonaro indicou, respectivamente, o economista Leonardo Rezende e o advogado Vinícius Klein. Os nomes não foram previamente negociados com senadores e Bolsonaro teve que recuar. Em 6 de setembro, o presidente mandou uma nova lista, dessa vez com a devida articulação precedente. E deu certo.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), informou ao Palácio do Planalto nessa última terça-feira (10), que, após consultas, os senadores não têm mais resistência aos nomes encaminhados pelo presidente Jair Bolsonaro para recompor o Conselho. No dia seguinte, Alcolumbre fez a leitura no plenário do Senado dos seis indicados pelo presidente. Além das indicações de quatro conselheiros para mandato de quatro anos, também foram indicados o procurador-chefe e o superintendente-geral para um mandato de dois anos.

O atual procurador-chefe do órgão, Walter de Agra Júnior, foi indicado para recondução. Também foi reconduzido o superintendente-geral do órgão, Alexandre Cordeiro Macedo. Os outros quatro nomes indicados para a posições de conselheiros são: Lenisa Rodrigues Prado, Sérgio Costa Ravagnani, Luiz Augusto Azevedo Hoffmann e Luiz Henrique Bertolino Braido. Desses, o único que tem currículo próximo ao tema concorrência é Braido, que é Doutor em economia pela Universidade de Chicago e ligado a Paulo Guedes.

Com a leitura feita em plenário do Senado, os indicados deverão ser sabatinados pela Comissão de Assuntos Econômicos e depois terem seus nomes aprovados, o que deve ocorrer nas próximas semanas.

Desde 2012, o Cade passou a ter que decidir previamente toda operação com impactos concorrenciais.  A mudança na lei da concorrência brasileira acabou por dar mais poder ao Conselho, que só referendava operações que já haviam ocorrido. Mesmo sendo um órgão eminentemente técnico, o Cade acaba atraindo a ambição de políticos para indicação dos seus membros.

A mudança de velocidade no tratamento dado pelo senado aos nomes indicados ao Cade acontece simultaneamente a uma aproximação de Alcolumbre com Bolsonaro e a necessidade de votos para o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) poder assumir a embaixada brasileira nos Estados Unidos. Além disso, o Senado deverá ter maior protagonismo nesse segundo semestre, com destaque para a conclusão da tramitação da Reforma da Previdência e a aprovação do novo procurador-geral, Augusto Aras.

Parece óbvio que Bolsonaro fez um gesto de aproximação aos senadores ao comportar seus indicados ao Cade em troca de apoio para tudo o que está por vir. Independentemente de quem indicou quem, é fundamental que o órgão funcione.

No exemplo do início desse texto, a América Móvil investirá R$ 3,47 bilhões na compra da Nextel. É difícil estimar quanto mais investimentos (e empregos) estão sendo impactados pela inoperância do Conselho. Mais difícil ainda é explicar para o cidadão a relação dessa inoperância com tantas outras questões políticas que não têm nada a ver com a defesa da concorrência.

Tópicos: Jair Bolsonaro, Investimentos, Senado, Articulação Política, Cade, Conselho Administrativo de Defesa Econômica, Eduardo Bolsonaro

Wagner Parente

Escrito por Wagner Parente

Wagner Parente acumula a função executiva de CEO da BMJ com atuações consultivas nas equipes de Relações Governamentais e Comércio Internacional. Wagner é advogado, mestre em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela PUC-SP e possui MBA em Gestão de Negócios pela FIA-USP, além de ser professor de Relações Institucionais na Fundação Getúlio Vargas.

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