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A pauta de segurança alimentar e nutricional nos Estados Unidos

04/12/2022 08:00:00 / por BMJ Consultores

Por Ana Beatriz Zanuni e Luana Carasek*

Com a pandemia de Covid-19, o cenário de fome e insegurança alimentar avançou. Acrescido a fatores como a guerra no leste europeu, altas taxas de inflação no mundo e gargalos logísticos no comércio internacional, o abastecimento de alimentos se tornou uma preocupação internacionalmente. Nesse cenário, Brasil desempenha um papel importante como potência agroalimentar, pressionado para viabilizar o aumento de produção. Nas eleições presidenciais, a segurança alimentar foi um ponto de destaque, sendo um foco de críticas à gestão de Jair Bolsonaro (PL), e um dos principais itens na agenda eleitoral do presidente eleito Lula da Silva (PT).

Nos Estados Unidos, a pauta veio à tona devido à relevância internacional do país, como um líder econômico e político. Além disso, o aumento de preços no país se mostra a principal preocupação da população americana, de acordo com pesquisas da CNN e da Pew Research Center; e a insegurança alimentar atinge cerca de 12% dos norte-americanos. Dessa maneira, trazemos considerações sobre o cenário estadunidense, assim como suas conexões com a abordagem da pauta no Brasil.

 

Estratégia estadunidense

Nos últimos meses, a pauta de segurança alimentar e nutricional vem ganhando mais espaço na gestão de Joe Biden. Na Assembleia-Geral das Nações Unidas deste ano, realizada em setembro, o democrata se comprometeu a investimentos bilionários em resposta à insegurança nutricional global. Em seguida, o governo americano também realizou conferência sobre fome, nutrição e saúde, sendo a primeira do gênero em 50 anos – que contou com a participação do terceiro setor, governos regionais e setor privado –, no qual lançou a estratégia nacional dos Estados Unidos em relação ao tema. A chamada Biden-Harris Administration National Strategy on Hunger, Nutrition, and Health, para além do contexto de insegurança alimentar, também pauta Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNTs) associadas à alimentação não-saudável.

Nesse sentido, a estratégia foi construída em cinco pilares: (1) melhoria do alcance e da acessibilidade econômica dos alimentos; (2) integração entre alimentação e saúde; (3) capacitação dos consumidores para fazer e ter acesso a escolhas saudáveis, com medidas como novas regras de rotulagem; (4) ampliação do acesso a atividades físicas; e (5) melhoria da pesquisa em nutrição e segurança alimentar. O objetivo final do plano é acabar com a fome no país até 2030.

Além disso, visando investimentos para o combate à fome em nível internacional, a Lei de Prevenção e Tratamento da Desnutrição Global foi sancionada por Biden em meados de outubro. O projeto foi aprovado pelo Congresso americano em menos de 13 meses, ao ser defendido por parlamentares influentes e ganhar apoio bipartidário. A nova Lei autoriza a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) a empreender esforços para prevenir e tratar a desnutrição global. Desse modo, define programas e outras atividades globais a serem desempenhadas pela USAID, com ênfase na aplicação de recursos no Plano de Coordenação de Nutrição, que visa fortalecer o impacto dos investimentos dos EUA em nutrição.

 

Relação com o cenário brasileiro

Os debates recentes se encontram mais alinhados às discussões realizadas também no âmbito brasileiro. Os índices de insegurança alimentar e de preços de alimentos são fatores de crescente preocupação no país. Nesse sentido, o combate à fome se mostra como uma das prioridades do governo eleito de Lula da Silva. Dentre as estratégias do governo, também estão a retomada de políticas públicas que incluem alimentação escolar e incentivos à produção de alimentos considerados saudáveis e sustentáveis.

Ademais, com a realização das mencionadas ações nos EUA, pautas para além da segurança alimentar e mais focadas em nutrição devem ganhar mais destaque na agenda do governo e do setor privado. Uma delas é a implementação de rotulagens nutricionais frontais, voltadas a destacar os índices de sódio, açúcares e gorduras nos produtos, cujas adoções ainda são voluntárias no país. Assim, os americanos tendem a estar mais alinhados às medidas já adotadas por diversos países da América Latina, incluindo o Brasil.

 

Avaliação

Nos Estados Unidos, o timing das medidas citadas se encontra alinhado às eleições de meio de mandato, que ocorreram em 8 de novembro: a inflação é o maior fator de preocupação dos americanos nesse cenário, e a pauta de segurança alimentar e poder de compra segue com prominência na agenda dos parlamentares de ambos os partidos Democrata e Republicano. Apesar dos democratas se apresentarem como os mais favoráveis à adoção de medidas voltadas à população de renda mais baixa e mais vulnerações aos aumentos de preços de alimentos, os republicanos também atingiram resultados positivos nas eleições. Desse modo, o governo Biden deve encontrar mais dificuldades para aprovar novas medidas do gênero na segunda metade de seu governo, com uma Casa dos Representantes majoritariamente de oposição.

Com o início da gestão Lula em 2023, é esperada maior aproximação do Brasil ao governo Biden, incluindo o tema de segurança alimentar, devido ao papel brasileiro na cadeia de produção e as relações comerciais entre os países. O cenário global mais adverso, em particular os impactos na guerra no leste da Europa, aumentou a preocupação com a dependência dos países para o abastecimento de comida, levantando a discussão sobre soberania alimentar. Nesse contexto, um importante desafio para o próximo ano será a conciliação da pressão internacional para que o Brasil viabilize o aumento da produção e exportação de alimentos com as necessidades domésticas, dado que a fome avança no território brasileiro.

Ainda, o tema caminha junto da pauta de sustentabilidade e mudanças climáticas. Os impactos da produção e distribuição de alimentos no clima e a necessidade da construção de sistemas alimentares sustentáveis são discussões crescentes. Exemplo disso, o Pavilhão de Sistemas Alimentares foi inaugurado na Conferência do Clima das Nações Unidas (COP-27), que ocorreu em novembro de 2022. Vale notar que tanto Biden quanto Lula representam líderes que dão mais espaço à agenda de sustentabilidade quando comparados aos seus antecessores. Nesse contexto, destaca-se que essa tende a ser um dos principais alinhamentos do novo governo brasileiro com o exterior.

Desse modo, o cenário indica que o fortalecimento das relações bilaterais entre Brasil e EUA será algo buscado por ambos os governos. Por essas razões, as políticas de combate à insegurança alimentar estadunidenses merecem especial atenção. As medidas americanas serão levadas em conta no desenho das políticas alimentares no Brasil e no mundo, tanto pelo alinhamento das lideranças dos dois países quanto pelo cenário internacional. E, assim, sendo um indicativo de como o combate à insegurança alimentar será abordado em 2023.

 

*Ana Beatriz Zanuni é Consultora de Bens de Consumo e Saúde da BMJ Consultores Associados.

*Luana Carasek é Consultora de Bens de Consumo e Saúde da BMJ Consultores Associados

Tópicos: Estados Unidos, Saúde, covid-19, USA, EUA, insegurança alimentar, bens de consumo, desnutrição, desabastecimento

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