Apesar de todo impacto do surto do novo Coronavírus (COVID-19), a Reforma Tributária voltou a ser definida como uma das prioridades em termos de ação governamental. Então podemos acreditar que neste momento ela deva evoluir. Temos três propostas colocadas na mesa, sendo duas no Congresso - a PEC nº 45/2019 e a PEC nº 110/2019 -, e uma do Governo Federal. Há várias questões que são relacionadas com a Reforma e que precisam de uma avaliação menos apaixonada para que possamos entender o que ela é e o que ela não é.
A primeira questão é: A IMPLEMENTAÇÃO DE UMA REFORMA TRIBUTÁRIA VAI POSSIBILITAR O DESENVOLVIMENTO DO PAÍS? Não isoladamente, temos uma distribuição ruim da incidência de tributos sobre as bases tributárias. Hoje tributamos mais o consumo do que a renda, e temos um sistema tributário complexo. O desenvolvimento econômico também passa por uma evolução de nossa infraestrutura de logística e de comunicações, então sem estas a Reforma Tributária pode ter um impacto menor no crescimento da economia.
As propostas de Reforma que estamos analisando simplificam o sistema quando substituem vários tributos por um Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) denominado Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Segundo informações veiculadas pela imprensa, a proposta do Governo Federal cria uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que seria uma contribuição dobre o valor agregado. No último caso há apenas a substituição de dois tributos por um, então podemos dizer que é uma simplificação mais “flat”, mas também podemos dizer que em termos gerais poderá haver uma simplificação.
Com relação a tributar mais a renda e o patrimônio do que o consumo, podemos dizer que o efeito dessa modificação será maior ou menor conforme melhorar nossa distribuição da renda. É um fato que o atual perfil tributário brasileiro sacrifica os menos favorecidos, e por isso mesmo foi um dos culpados pela grande concentração de renda que temos. Mas, tributar mais a renda e o patrimônio pode sobrar para os assalariados, uma vez que, politicamente, é mais fácil tributar salários e proventos do que tributar lucros e propriedades.
Assim, podemos dizer que se a Reforma Tributária for contribuir para o desenvolvimento econômico será ao longo do tempo e não imediatamente e não de forma isolada.
A segunda questão é: QUEM GANHA e QUEM PERDE? Sempre que mudamos uma estrutura que afeta as famílias, as empresas e o governo, alguém vai ganhar e alguém vai perder.
Com relação às famílias perde a classe média. As camadas mais pobres ganham porque vão ter a carga de tributos sobre o consumo reduzida, as camadas mais ricas ficam na mesma. Então quem perderá á a classe média.
Quanto aos setores econômicos perdem os serviços e o agronegócio. Um dos pilares das reformas é a não-cumulatividade plena, e para o setor de serviços isto não funciona porque não tem capacidade de gerar créditos suficientes, em todas as hipóteses precisariam de um regime especial. O agronegócio, que na minha opinião é a grande vocação do Brasil, perde porque um outro pilar da reforma é tributar toda a cadeia. A agroindústria precisa ter um custo tributário menor para competir no mercado internacional em que os preços são pautados, e neste caso, a carga tributária pode fazer diferença entre a possibilidade de exportar produtos “in natura” ou produtos industrializados.
Com relação ao governo, quem perde depende da proposta. Na PEC nº 45/2019 os estados perdem porque não vão poder administrar isoladamente sua parte do IBS e há tendência de que a alíquota modal não atenda às suas necessidades fiscais. Na PEC nº 110/2019 quem perde é a União, que terá um IBS próprio, mas com certeza perderá arrecadação.
Terceira questão: QUAL O BENEFÍCIO CLARO DAS PROPOSTAS DE REFORMA TRIBUTÁRIA EM APRECIAÇÃO? Com relação à proposta do governo, o benefício é reformar a legislação das Contribuições para o PIS/PASEP e COFINS não-cumulativas. Há uma enorme indefinição do que seja um crédito não-cumulativo e isso ora prejudica o contribuinte, ora a Receita Federal. É uma legislação imperfeita que tem muitos beneficiados e muitos prejudicados.
Com relação às duas outras propostas, o maior benefício é acabar com o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e sobre a Prestação de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicações (ICMS) que com sua incidência por dentro, cruzada, sem uniformidade e antecipada, é um fator de preocupação e de altos custos.
De fato, ao olhar de uma forma mais detalhada, a Reforma Tributária não resolve tudo. Não devemos colocar sobre esta solução todas as nossas expectativas, como se de um dia para o outro tudo fosse melhorar. E mesmo com ela não haverá redução da carga tributária, que é o grande monstro causador da ineficiência econômica brasileira. Mas é necessário reformar, mesmo que apenas um pouquinho, para que possamos entender que nem tudo é como parece.