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O poder da cooperação subnacional: o caso do Consórcio de Integração Sul-Sudeste (COSUD)

13/08/2023 08:00:00 / por BMJ Consultores

Por Aryell Calmon e Matheus Luft*

Normalmente, quando falamos de cooperação governamental, pensamos em dois ou mais Estados, autônomos e soberanos, interagindo entre si. Mas e se, para além da cooperação interestatal, pudéssemos reconhecer também os esforços de diálogo e negociação de outros entes? Isso é possível analisando um caso de integração subnacional, entre unidades federativas do Brasil. A essa cooperação entre estados, damos o nome de cooperação descentralizada.

 

A cooperação descentralizada visa distribuir o peso das negociações de um ou mais Estados, a fim de garantir uma maior participação de outras entidades no processo político. Pode envolver bairros, estados, municípios; em suma, qualquer outra entidade que não seja o Estado-Nação. Isso significa que essa modalidade de cooperação é realizada por entes não-soberanos, que são regidos pelo poder máximo do Sistema Internacional: o Estado.

 

No caso brasileiro, podemos dizer que, em termos formais, a cooperação entre unidades federativas começa em 1889, com a proclamação de uma república federativa. Aqui, podemos ver arranjos simples entre estados, normalmente de caráter político ou estratégico: a política do café-com-leite, que alternava os presidentes entre os estados de Minas Gerais e São Paulo, e a política dos governadores, que visava distribuir compensações entre os estados são alguns dos exemplos. Entretanto, é depois da redemocratização e da promulgação da Constituição de 1988 que os estados passam a cooperar mais em questões de desenvolvimento mútuo.

 

Durante a pandemia, o poder e a influência dos governadores ficaram mais evidentes aos olhos da população, ao contrariarem a opinião do então presidente Jair Bolsonaro e adotarem o lockdown, mesmo que em níveis diferentes, nos estados. Não apenas isso: o descaso do governo federal com a pauta ambiental motivou os estados a criarem o Consórcio Brasil Verde. Nesse ritmo de crescimento do poder subnacional, favorecido até mesmo por um enfraquecimento do papel do Estado no Sistema Internacional, é que surge o Consórcio de Integração Sul e Sudeste (COSUD), foco de análise deste artigo.

 

O COSUD é um consórcio voltado para a discussão e apoio mútuo a pautas importantes que sejam compartilhados pelos estados da região Sul e Sudeste do Brasil, criado em 2019. É um espaço onde governadores, secretários e outros agentes públicos podem se encontrar e reafirmar parcerias e corrigir possíveis desalinhamentos. Atualmente, são membros todos os estados das duas regiões, embora nem todos tenham ratificado o acordo até o momento.

 

É importante, antes de discutir as ambições do consórcio, entender o processo de agrupamento desses estados. Para a criação do órgão, assim como a maioria dos outros órgãos de integração subnacionais do país, adotou-se a regionalização do IBGE – isso é, aquela que divide o Brasil em Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sul e Sudeste. Essa divisão costuma delimitar bem as diferenças de domínio tecnológico, econômico e populacional do Brasil.

 

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Mais do que isso, a escolha de juntar o Sul e Sudeste, além de sua proximidade geográfica, deriva do fato de que ambas pertencem a chamada Região Concentrada, conceito do geógrafo Milton Santos que agrupa as regiões Sul e Sudeste, por entender que ambos compartilham de um padrão tecnológico, populacional e econômico semelhante. E, olhando para os dados, podemos comprovar essa tese. As regiões Sul e Sudeste respondem juntas por mais de 70% do PIB nacional, e costumam enviar mais recursos do que recebem da União, ponto que é bastante sensível para os estados.

 

No primeiro encontro do COSUD, em Gramado (RS), outras afinidades entre as regiões foram afirmadas. O debate em torno do processo de bônus demográfico - o que significa que os estados possuem população ativa maior em relação à população o inativa - foi destacado para exibir aos governos e empresas que, na prática, isso assegura a possibilidade de um desenvolvimento de setores que requerem mais mão-de-obra. Outro ponto de convergência que pôde ser notado é a posição ideológica, predominando a centro-direita nas duas regiões.

 

Para identificar quais são as demandas e requisições realizadas pelos membros do COSUD, analisamos as cartas dos encontros, que são redigidas após cada reunião e disponibilizadas ao público pela Internet. As cartas são curtas e objetivas e por meio delas podemos identificar os interesses dos governadores e outras autoridades. Todos os encontros possuem uma carta aberta ao público, com exceção da primeira edição, em Gramado.

 

No segundo encontro, realizado em 2019 na cidade de São Paulo, o tema principal foi o apoio dos estados à Reforma da Previdência, tema esse que seria persistente em outras edições do consórcio. Em verdade, o órgão apoiava todo o tipo de reforma que promovesse o desenvolvimento econômico e a redução do déficit público. De fato, aqui já era defendido uma reforma tributária nacional, algo que viria a se concretizar em 2023. O peso da opinião do consórcio, reiterada na posição do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, foi fundamental para a aprovação da reforma.

 

No terceiro encontro, em Gramado, além das tradicionais reformas, foi defendida a Medida Provisória (MP) nº 868/2018, que veio a ser o texto base do Marco do Saneamento. Novamente, a opinião do consórcio se mostrou fundamental para a aprovação de uma norma federal. Foram reforçados também maiores investimentos na agricultura e na indústria 4.0. Já a quarta edição, ainda em 2019, mostrou a importância de criar um ambiente institucional seguro para investidores e de assegurar que micro e pequenos empreendedores tenham acesso a crédito, a fim de reduzir o desemprego – considerado o maior problema social do país pelos governadores. Por fim, pela primeira vez é manifestado apoio explícito às causas ambientais, quando o Consórcio se coloca à disposição dos estados da Região Norte para ajudar no controle de incêndios florestais que estavam em alta na época.

 

A quinta edição do consórcio teve como tema central a desburocratização, simplificação e modernização dos processos públicos para o cidadão, apoiando a aplicação efetiva da Lei de Liberdade Econômica nos estados membros e incentivando a digitalização dos serviços prestados à sociedade, sendo Santa Catarina e o Paraná bons exemplos disso. De caráter mais pontual, foi manifestado o apoio a algumas medidas que visavam impactar o fluxo de caixa dos estados, como o PLC 223/2019 (prorroga os efeitos do aproveitamento do crédito do ICMS destinados ao uso e consumo), o PLC 149/2019, (trata da revisão da Lei do Teto dos Gastos, do Plano de Equilíbrio Fiscal e alterações imprescindíveis na Lei de Responsabilidade Fiscal), e a PLP 459/2017 (trata da securitização de recebíveis).

 

O sexto encontro foi realizado em Foz do Iguaçu, em 2020, e pela primeira vez falou sobre a importância de manter um Estado Democrático de Direito. Reafirmou também a adesão ao Acordo de Paris e introduziu questões concretas de integração, como compras compartilhadas, atração conjunta de investimentos externos e controle das fronteiras. Nesse encontro, foi também definido o apoio à expansão do Fundeb; foi reiterado a importância da aprovação do PLP 149/2019 e do PLP 459/2017; e ocorreu a busca por maiores recursos para o combate ao Covid-19.

 

Na sétima edição, em 2023, foi tratado a readequação da dívida pública dos estados com a União, para refletir valores mais justos e condizentes com a realidade; apoio à reforma tributária; respeito e maior destaque ao pacto federativo, exigindo que a União compense o ICMS perdido pelas Leis Complementares n.ºs 192 e 194/2022; apoio às agências de regulação e marcos legais; institucionalização do COSUD e indicação do Rio de Janeiro como estado sede da reunião do G20 em 2024.

 

Por fim, no oitavo encontro, realizado em Belo Horizonte em junho deste ano, os governadores destacaram a importância da formalização do consórcio, por meio da ratificação do protocolo de intenções nas Assembleias Legislativas. Foi reforçado o apoio à Reforma Tributária, mas com pedidos de mais autonomia aos estados; o direito à propriedade – aqui talvez seja uma alfinetada às invasões de terras que estão ocorrendo no país; a responsabilidade fiscal; e a importância de preservar a liberdade (conceito este bastante amplo e não muito definido pelo consórcio).

 

O COSUD, portanto, constitui uma peça fundamental de discussão do ambiente político no país, considerando que importantes pautas nacionais foram discutidas por ele e, em seguida, agendadas no debate público. É também uma poderosa ferramenta de cooperação subnacional, compartilhando projetos em comum para o desenvolvimento mútuo. Ainda, de acordo com o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande, a união entre estados por meio de consórcios como o COSUD ajuda a evitar desgastes e a poupar energia na hora de implementar políticas públicas a nível estadual. Por isso, é importante que mais agentes de integração entre entes não-Estatais sejam criados e que a dinâmica do desenvolvimento global, típica das teorias das Relações Internacionais, seja aplicada também em um nível descentralizado.


*Aryell Calmon é sociólogo e coordenador de Estados e Municípios da BMJ.

*Matheus Luft é aluno de Relações Internacionais da UFRGS e estagiário de Estados e Municípios da BMJ.

 

Tópicos: Economia, Acordos, Estados&Municípios, sul e sudeste, cooperação entre os estados

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