Por Fernanda César e Luan Madeira
Devido à crise gerada pelo coronavírus, o ano de 2020 tem sido atípico no que tange decisões judiciárias e aprovação de medidas pelo Legislativo. Ainda assim, a BMJ Consultores Associados traz um apanhado sobre a situação atual e perspectivas para a população LGBTQI+ no Brasil, neste dia 28 de junho, internacionalmente celebrado como Dia do Orgulho LGBTQI+
É importante destacar a origem da celebração, pois o marco temporal põe em perspectiva a longa marginalização pela qual a comunidade passou e busca superar por meio do ativismo. Em 1969, o Stonewall Inn, bar localizado em Nova Iorque, entrou para a história como um local de resistência LGBT após uma invasão policial na madrugada de 28 de junho. As batidas policiais eram comuns na época, porém a polícia não conseguiu controlar a situação de revolta e logo uma série de manifestações se irromperam. Um ano após esse episódio, foi realizada a primeira Parada Gay do mundo como forma de celebração dos motins, que ficaram conhecidos como um marco temporal de libertação gay.
Nesse cenário, o movimento LGBTQI+ brasileiro também começou a florescer de forma organizada, no final da década de 60 e início da década de 70, em meio à ditadura militar. Já na década de 80, quando o avanço da AIDS estigmatizou ainda mais a comunidade, os grupos organizados foram responsáveis por tomar a dianteira na busca por formas de remediar a contaminação. Além disso, também foi nessa época que houve a despatologização da homossexualidade no Brasil (1985), uma grande vitória encabeçada pelo Grupo Gay da Bahia.
Em meio aos avanços da comunidade ao longo dos anos, a conquista mais recente veio em maio de 2020, com uma decisão histórica do Supremo Tribunal Federal (STF) que revogou restrições impostas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pelo Ministério da Saúde quanto à doação de sangue por homens que mantiveram relações sexuais com outros homens nos últimos 12 meses. A Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) n° 34/2014 da Anvisa, que versa sobre as boas práticas no ciclo do sangue, estabelece em seu artigo XXX o que deve ser entendido como “contatos sexuais que envolvam riscos de contrair infecções transmissíveis pelo sangue”, em que figura como grupo de risco “indivíduos do sexo masculino que tiveram relações sexuais com outros indivíduos do mesmo sexo e/ou as parceiras sexuais destes”. Similarmente, a Portaria nº 158/2016, do Ministério da Saúde, em seu art. 64, determina que devem ser considerados inaptos para doação por 12 meses “homens que tiveram relações sexuais com outros homens e/ou as parceiras sexuais destes”.
O STF, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5543, decidiu por maioria que tais dispositivos são inconstitucionais, dado que “Não se pode tratar os homens que fazem sexo com outros homens e/ou suas parceiras como sujeitos perigosos, inferiores, restringido deles a possibilidade de serem como são, de serem solidários, de participarem de sua comunidade política”, nas palavras do relator da ação, o ministro Edson Fachin. A ação, apresentada inicialmente em 2016 e parada desde 2017, foi incluída novamente na pauta devido à pressão de grupos de interesse e de parte da população brasileira frente à crescente demanda por doação de sangue causada pela pandemia, que reduziu o estoque e causou diminuição no número de doações. A decisão foi amplamente celebrada pela comunidade LGBTQi+ brasileira e somou-se a outras iniciativas recentes que representaram vitórias para esta população.
Em 2019, o Plenário do STF chegou ao entendimento de que houve omissão do Congresso Nacional ao não editar lei que criminaliza atos de homofobia e de transfobia. Em ação também relatada por Edson Fachin, a Corte votou pelo enquadramento da homofobia e da transfobia na Lei do Racismo, situação que deve vigorar até que o Congresso Nacional aprove matéria sobre o tema.
Apesar disso, é importante destacar que muitas dessas vitórias acabam ficando apenas no papel. Recentemente, a despeito da decisão do STF, a Anvisa foi acusada de instruir laboratórios a não cumprirem a decisão no que tange a doação de sangue até que haja “conclusão total” do caso. Isto levou membros do Ministério Público e do próprio STF a afirmarem que a recusa poderia levar a Agência, assim como o Ministério da Saúde, a serem questionados judicialmente.
A fragilidade das vitórias de direitos para a comunidade LGBTQI+ vem justamente do fato de serem frutos apenas de decisões do Poder Judiciário. Essas decisões não garantem uma estabilidade jurídica para gays, lésbicas, bissexuais e transexuais e demais membros da comunidade, uma vez que as jurisprudências podem ser alteradas por outros entendimentos e atos dos demais poderes. Contudo, a judicialização da política nesse caso tem sido a única maneira que a comunidade encontra de assegurar seu direito de usufruir do espaço público como cidadãos plenos de direito dentro de suas particularidades.
No Congresso Nacional, existem atualmente cerca de 70 projetos de lei que versam sobre os direitos da comunidade LGBTQI+ no país, direta ou indiretamente, buscando assegurar ou revogar conquistas obtidas. Deste total, cerca de 21 projetos podem ser considerados favoráveis à comunidade, ou seja, buscam assegurar direitos básicos como: a criminalização da LGBTfobia, o direito ao nome social e à identidade de gênero, direito ao casamento homoafetivo. Apesar de serem temas essenciais para a comunidade, o Congresso Nacional nunca aprovou uma legislação direcionada para essa parcela da população. A falta de representatividade, o conservadorismo e o estigma a respeito da comunidade impedem que o debate saia da seara do Judiciário e se estabeleça na casa do povo. Estes estão distribuídos tematicamente de acordo com o gráfico abaixo:
Dos projetos identificados pela BMJ, verifica-se que os partidos mais atuantes no tema são: o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido Democrático Trabalhista (PDT), conforme exposto no gráfico abaixo.
Segundo o mesmo levantamento, os parlamentares mais atuantes no tema são:
- David Miranda – 3 projetos
- Alexandre Frota – 1 projeto
- Alessandro Vieira – 1 projeto
- Bacelar – 1 projeto
- Weverton – 1 projeto
- Weverton Rocha – 1 projeto
- Erika Kokay – 1 projeto
- Maria do Rosário – 2 projetos
- Otoni de Paula – 1 projeto
- Ivan Valente – 2 projetos
- Denis Bezerra – 1 projeto
- Talíria Perona – 2 projetos
- Jean Wyllys – 2 projetos
- Fernanda Melchionna – 1 projeto
- Clodovil Hernandes – 1 projeto
Segundo levantamento feito pela Aliança Nacional LGBTQ+, nas eleições de 2018, foram cerca de 160 candidatos assumidos, apresentando um crescimento de 386% em relação ao último pleito. A representatividade é fundamental para que o debate seja feito de forma ampla dentro do Parlamento, com a presença de ativistas e profissionais, assegurando a durabilidade das conquistas da comunidade ao longo das décadas de luta por respeito e participação cidadã. Nota-se que, além de apresentar projetos de lei e articular suas discussões dentro das casas legislativas, a presença da comunidade nesses ambientes é necessária para barrar projetos que visam institucionalizar o retrocesso. A construção democrática apenas se fortalecerá quando aqueles que estão na “margem da sociedade” possam de fato buscar a plenitude dos seus direitos no centro do poder.
Mas, vale ressaltar: representatividade por si só não é suficiente. É necessário que os tomadores de decisão tenham a iniciativa de pautar projetos tão afeitos à comunidade LGBTQI+ brasileira, impedindo que apenas matérias de cunho econômico e reformas estruturais ocupem toda a pauta de deliberação, prejudicando assim, o avanço de projetos de lei que buscam conquistar maiores direitos para a comunidade brasileira.
FONTES:
https://grupogaydabahia.com.br/
https://aliancalgbti.org.br/eleicoes2018/
https://www.nexojornal.com.br/explicado/2017/06/17/A-trajet%C3%B3ria-e-as-conquistas-do-movimento-LGBT-brasileiro#section-46