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Desafios e alternativas para a mobilidade elétrica no Brasil: Um olhar sobre o setor automotivo

31/10/2021 09:00:00 / por BMJ Consultores

Por Victor Hugo Figueiredo e Isabela de Castro*

A mobilidade elétrica já é realidade e, ainda assim, cada vez mais urgente frente aos problemas mais frequentes em relação às matrizes energéticas e hídricas, a poluição nas cidades e aumento das temperaturas globais. Ainda, perpassa uma alteração significativa em nosso cotidiano, especialmente sobre um consumo mais consciente e sustentável. Há algum tempo, Estados Unidos e diversos países da Europa e Ásia vêm se envolvendo ativamente nas mudanças de suas matrizes energéticas e infraestrutura de transportes, com ênfase em fontes renováveis. No setor automotivo, já há uma grande lista de países com metas audaciosas para o encerramento da produção e venda de veículos que utilizam combustíveis fósseis. Como praxe, boa parte das políticas públicas mais avançadas nessa agenda estão sendo realizadas com incentivos às cadeias automotivas e infraestruturas complementares.

 

No início de 2021, a Comissão Europeia apresentou as diretrizes para que, a partir de 2035, nenhum veículo à combustão seja vendido no continente, além de outros fundamentos para maior sustentabilidade dos diversos meios de transporte. A princípio, a proposta prevê reduzir as emissões de CO² em 55% até 2030 (em comparação com 1990) e neutralizar emissões de carbono até 2050. Nesse período, serão implementados incentivos fiscais e regulatórios diversos para as cadeias automotivas, assim como outros com foco no planejamento urbano e infraestruturas para carregamento. Apesar das profundas mudanças no mercado europeu, grandes montadoras vêm dando suporte e informações à Comissão e ao Parlamento da Europa, para que a proposta avance rapidamente. Em paralelo, essas grandes companhias também estão desenvolvendo planos de negócio para que a transição elétrica seja operacional e lucrativa.

No Brasil, ainda há um grande impasse sobre os caminhos a serem seguidos definitivamente. Há, por exemplo, grande apoio para que haja maior aproveitamento da larga oferta interna de etanol em motores híbridos, enquanto outras companhias já planejam investimentos bilionários para ampliar e baratear a produção e a importação de veículos 100% elétricos.

No quesito de combustíveis, por exemplo, o Brasil consumiu 131,7 bilhões de litros em 2020, o menor valor desde 2012, em função das medidas de isolamento da pandemia. Apesar da forte retração, é possível que a recuperação já aconteça em 2021, mas de forma muito mais cara. Com alta acumulada de quase 40% em 2021, a gasolina é um dos maiores causadores da pressão inflacionária corrente, o que vem ampliando a visão de que o uso de energias renováveis é uma oportunidade econômica sobre a flutuação de preços do petróleo, especialmente nos cenários de recuperação econômica.

Ambos os mercados, híbridos e elétricos, estão em expansão no Brasil. Conforme dados do Detran-SP, houve aumento de 60% de veículos elétricos no estado de São Paulo nos últimos 2 anos. O estado é o maior mercado consumidor de automóveis do país. Segundo a Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE), carros híbridos e elétricos somam 14 mil unidades comercializadas no primeiro semestre de 2021, um aumento de 84% em comparação com o mesmo período de 2020. Infelizmente, os números, que a priori parecem animadores, são fracos. Em 2020, foram 3,2 milhões de veículos 100% elétricos vendidos no mundo, segundo consultoria sueca EV-volumes.com, um expressivo aumento global de 43%. Apenas na Europa, foram 1,4 milhões.

 

Hoje, os principais obstáculos domésticos são a alta carga tributária de importação e exportação de veículos e peças, os elevados preços de venda ao consumidor final e a quase inexistente infraestrutura de postos de carregamento em todo o território nacional. Ainda, falta clareza sobre os impactos econômicos e sociais nas diferentes realidades de cada estado, o que dificulta a criação de políticas públicas que integrem mercado e sociedade civil.

Desde 2016, híbridos e elétricos são beneficiados com alíquotas reduzidas (de zero a 7%) do imposto de importação, que varia de acordo com o peso e eficiência energética dos veículos. A portaria foi renovada em 2020 e tem validade apenas até o fim deste ano, o que tem direcionado os esforços, principalmente dos importadores, na renovação do benefício. Posteriormente, espera-se maior foco desse e outros interessados na redução das alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que varia de acordo com a motorização dos veículos.

Nos últimos anos, o Poder Legislativo Federal ampliou as discussões sobre o tema. Destaca-se o Projeto de Lei (PL) 4.086/2012, de autoria do Dep. Fernando Coelho Filho (PSB/PE), que justamente isenta do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) os automóveis com motor de indução eletromagnética ou combinação de pistão alternativo e indução eletromagnética (híbridos). Também contempla baterias, acumuladores, motores de indução e peças destinados exclusivamente a esses veículos. A maior parte dos projetos sobre isenção do IPI têm sido apensados a este, 36 até o momento. O projeto teve pouca movimentação entre as várias comissões indicadas na apresentação do projeto. Atualmente, aguarda parecer do relator Dep. José Ricardo (PT/MA) na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços (CDEICS). Na Câmara, ainda deve ser discutido nas Comissões de Minas e Energia (CME), Finanças e Tributação (CFT) e Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).

Mais recentemente, o Dep. Luís Miranda (DEM/DF) apresentou o PL 2.972/2021 para alterar a Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei nº 12.587, de 2012) e incluir, em suas diretrizes, a priorização dos veículos elétricos sobre os de combustão. Na prática, o projeto tenta trazer, no âmbito de competências da União, diretrizes mais sólidas para que estados e municípios possam estabelecer políticas mais adequadas às realidades regionais, o que deve exigir um esforço maior de coalizão entre as bancadas estaduais e suas assembleias legislativas.

São Paulo, por exemplo, aprovou em abril de 2021 um projeto que zera a tributação do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) de carros elétricos e deve reduzir pela metade o imposto para híbridos em cinco anos. Além disso, deverá ser aberta uma linha de crédito prioritária para produção de elétricos. No mesmo sentido, foram estabelecidos percentuais mínimos para que, até 2035, 90% dos veículos no estado sejam elétricos.

Ainda em nível Federal, destaca-se o PL 11.084/2018, de autoria do Dep. Beto Rosado (PP/RN), que estabelece diretrizes para contratação de serviços de transporte público coletivo com quantidade mínima de veículos movidos com energias renováveis. Em agosto deste ano, o projeto recebeu novo despacho e deverá ser analisado diretamente no Plenário da Câmara dos Deputados. No mesmo sentido, em setembro foi apresentado o Projeto de Lei nº 2.397/2021, pelo Dep. Leonardo Gadelha (PSC/PB), para instituir isenção de tarifa de pedágio para veículos elétricos. Apesar das poucas chances de avanço em função dos impactos no equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de rodovias, o projeto força outros atores privados e públicos a debaterem a eletromobilidade, especialmente os limites de incentivos.

Esses e outros diversos projetos de lei apontam aspectos importantes para o desenvolvimento da eletromobilidade no setor automotivo brasileiro, que ainda carecem de maior alinhamento de políticas públicas relacionadas ao planejamento urbano, matrizes energéticas e infraestrutura. Ainda há um longo caminho a ser percorrido para que o Brasil se apresente no cenário internacional como um player e mercado atrativo para a eletromobilidade.

Nesse sentido, há uma janela de oportunidade para o Brasil, que exige a coordenação entre os poderes Legislativo e Executivo, com ampla participação de coalizões do setor privado. Mais do que a competividade nacional, a transição elétrica deve ser vista de forma estratégica como solução de problemas estruturais, temporários e futuros, tal qual a crise hídrica, a pressão inflacionária, a desvalorização cambial e o desenvolvimento econômico limpo.

 

*Victor Hugo Figueiredo é Consultor de Relações Governamentais da BMJ, especializado no Setor Automotivo.

*Isabela de Castro faz parte da equipe de Financeiro e Tecnologia da BMJ.

 

Tópicos: Sustentabilidade, Automotivo, Mobilidade

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