Por Laís Guimarães e Maria Vitória Araújo*
A cota de gênero de candidaturas é uma política pública adotada para tentar alcançar uma maior participação de mulheres na política. No Brasil, essa cota foi estabelecida pela Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1997), que determina que cada partido ou coligação detenha um mínimo de 30% de mulheres como candidatas. Apesar de a política pública existir desde os anos 90, só em 2019, com a edição da Lei 12.034/2009, o cumprimento desta determinação se tornou obrigatório. Outra medida adotada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para incentivar maior representatividade na política, foi a determinação de que os partidos devem distribuir de forma proporcional os recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para as candidaturas femininas,
Como resultado destas iniciativas, houve um aumento expressivo do número de candidatas mulheres, significativamente maior do que o visto nos anos anteriores, mas alguns desafios ainda são enfrentados, principalmente quanto à observância dos partidos às frágeis legislações supracitadas.
Os desafios para o sucesso eleitoral de candidaturas femininas
Embora seja um passo importante, ainda há muito a ser feito para garantir uma participação igualitária e efetiva das mulheres na política brasileira, visto que exigir apenas uma cota de candidaturas não assegura uma maior representatividade feminina nos cargos eletivos. O cumprimento das cotas de gênero pelos partidos políticos brasileiros tem sido um desafio. Ainda que a lei estabeleça claramente a necessidade de uma proporção mínima de 30% de candidaturas femininas, a prática nem sempre reflete o compromisso rigoroso dessa exigência. A realidade é que os partidos passaram a criar formas de burlar essa regra eleitoral.
Um exemplo dessas práticas são as chamadas Candidaturas "Laranjas", que são configuradas quando os partidos registram candidaturas femininas apenas para cumprir formalmente a cota sem oferecer suporte efetivo ou recursos para essas candidatas, como financiamento adequado, tempo de propaganda ou apoio logístico, o que limita suas chances reais de sucesso.
Segundo os dados disponibilizados TSE, nas eleições de 2022 os candidatos homens gastaram, em média, 88% a mais que as mulheres em suas campanhas eleitorais, demonstrando que, apesar das iniciativas para promoção de uma política mais igualitária, há uma resistência cultural e institucional dentro de muitos partidos à promoção de candidatas femininas, o que acarreta candidaturas de mulheres sem verbas ou recebendo dinheiro nas vésperas da eleição, afetando diretamente a competitividade.
A Justiça Eleitoral tem intensificado a fiscalização e, em alguns casos, indeferido registros de candidaturas ou aplicado sanções a partidos que não cumprem corretamente a cota. No entanto, a eficácia dessa fiscalização pode variar, e a aplicação de penalidades nem sempre é consistente.
Todo este cenário de baixa fiscalização e pouco apoio estrutural enfatiza que, apesar dos pequenos avanços, ainda persiste a sub-representação feminina nos cargos eletivos, a exemplo da Câmara dos Deputados, onde as mulheres representam cerca de 15% dos parlamentares, uma porcentagem muito inferior aos 30% de candidaturas que deveriam ser preenchidas pelo sexo feminino. Isso indica que, mesmo quando as candidaturas femininas são registradas, a conversão dessas candidaturas em mandatos efetivos é baixa.
A PEC 9/2023 como mecanismo de fragilização dos direitos das mulheres no âmbito eleitoral
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 9/2023, do deputado Paulo Magalhães (PSD-BA), proíbe a aplicação de sanções aos partidos políticos por descumprimento da cota mínima de recursos para as candidaturas femininas até as eleições de 2022 ou pelas prestações de contas anteriores a 5 de abril de 2022. Desta forma, fica estabelecido um marco inicial para sanção por descumprimento de cota de candidatura feminina, concedendo anistia aos partidos políticos que não cumpriram as regras eleitorais e partidárias relacionadas às cotas de gênero.
A versão aprovada na Câmara dos Deputados, que agora está sob análise da Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, trocou a anistia irrestrita para as dívidas de partidos políticos que não cumpriram as cotas raciais para determinar um pagamento retroativo e escalonado. A matéria estabelece que as siglas deverão reinvestir, nas eleições seguintes, as verbas que deixaram de ser pagas para as candidaturas de pessoas pretas e pardas em pleitos anteriores.
Se promulgada, a PEC da Anistia criará um desincentivo para que os partidos cumpram as cotas de gênero e a distribuição de recursos para grupos subrepresentados, reduzindo as iniciativas adotadas pela legislação eleitoral para incentivar maior representatividade nos cargos públicos.
Casos de destaque e análise regional das eleições municipais de 2024
Em 2022, o Brasil bateu recorde em número de mulheres candidatas a presidente, vice-presidente, governadora, vice-governadora e senadora. Foram cerca de 180 postulantes aos cargos majoritários, o maior número alcançado desde a redemocratização. Nas eleições de 2024, em termos de candidaturas majoritárias, espera-se alcançar um aumento em relação a 2020. A BMJ realizou o levantamento das pré-candidaturas das capitais do Brasil.
O Nordeste é a região mais desproporcional em pré-candidaturas femininas. De nove capitais, apenas dez pré-candidatas em toda a região pretendem disputar as eleições. Além disso, a região também abriga o maior número de capitais sem nenhuma representação do gênero: Fortaleza (CE), João Pessoa (PB) e Teresina (PI) não apresentaram pré-candidatas. Nas demais, embora haja pretensões consolidadas, as candidatas não têm expressividade nas pesquisas, sendo Aracaju (SE) a única capital nordestina com chances reais de vitória feminina. A vereadora Emília Correia (PL) lidera a disputa local com 47% das intenções de votos, de acordo com a IDPS em pesquisa realizada em maio deste ano. Em Aracaju, também é a primeira vez em que mulheres são maioria entre as pré-candidaturas anunciadas, três de cinco são do gênero feminino.
Nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, as candidaturas de Duda Salabert (PDT), Tabata Amaral (PSB) e Rose Modesto (União), largam com a maior popularidade feminina inicial em Belo Horizonte (MG), São Paulo (SP) e Campo Grande (MS), respectivamente. No Sul, a deputada federal Maria do Rosário (PT/RS) é cotada a levar as eleições em Porto Alegre (RS) ao segundo turno, após anos de perdas sucessivas do partido na capital gaúcha.
A região Norte apresenta nove candidaturas de mulheres em suas capitais, com destaque para Rio Branco (AC) que não apresenta nenhuma pré-candidata e Palmas (TO) que apresenta três, sendo Janad Valcari (PL) a líder nas pesquisas. Outra região em que as pesquisas são lideradas por candidaturas femininas é Porto Velho (RO), onde Mariana Carvalho (União Brasil) lidera com vantagem nas pesquisas realizadas.
A política familiar presente nos pleitos municipais também pode ser decisiva nas escolhas de chapas com lideranças femininas. Nas capitais brasileiras, atualmente ao menos sete pré-candidaturas femininas têm parentesco político no endosso de suas campanhas. Em alguns casos, a continuidade da influência hereditária no reduto político local permeia a estratégia de consolidação de irmãs, filhas e esposas ao comando do poder (Almeida, 2022). Em outros, as figuras femininas em segundo plano ganham relevância e emergem na política municipalista.
Em conclusão, apesar de a legislação brasileira estabelecer cotas de gênero como uma medida essencial para promover a participação feminina na política, a realidade prática ainda enfrenta muitos desafios. Para alcançar uma verdadeira igualdade de gênero na política, é necessário um esforço contínuo de fiscalização rigorosa, apoio financeiro adequado e mudanças culturais dentro dos partidos. Somente por meio de um compromisso coletivo com a igualdade de gênero será possível transformar a estrutura política brasileira e garantir que mais mulheres não apenas candidatem-se, mas também sejam eleitas e tenham voz ativa na tomada de decisões.
* Laís Guimarães e Maria Vitória Araújo são Consultoras de Estados & Municípios