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O Mercado de Carbono e o papel do sistema financeiro

11/09/2022 08:00:00 / por Amanda Roza

Por Amanda Roza

O que é o mercado de carbono?

O mercado de carbono é o resultado da implementação de uma política pública ou privada de “cap-and-trade”. Nesse sentido, o Banco Mundial, por meio da publicação “Emissions Trading in Practice: A Handbook on Design and Implementation” estabelece 10 passos fundamentais para a implementação de um sistema de licenças negociáveis, que passam obrigatoriamente pela definição do escopo do mercado, do limite de emissões (cap), pela alocação inicial das licenças emitidas e pela transação dessas licenças no âmbito do mercado (trade).

É importante notar que a alocação inicial de licenças negociáveis é de responsabilidade da autoridade responsável pelo mercado, e é possível que as licenças sejam leiloadas, distribuídas igualmente entre firmas, designadas a setores seguindo um critério de quantidade de emissões ou alocadas por meio de outro mecanismo adequado para a autoridade. O critério escolhido impacta na formação dos preços e no volume de transações no mercado.

Após a alocação inicial das licenças, as firmas podem realizar transações a fim de diminuir seus custos marginais de abatimento de emissões. Em um exemplo prático, se todas as firmas possuem licenças relativas a 10 “unidades de emissão” de gás carbônico e uma firma emite apenas 8 unidades, ela poderá transacionar suas licenças excedentes com uma firma que emita 12 unidades de emissão. A medida em que as firmas reduzem suas emissões e geram créditos de carbono, o limite de emissões é revisado pela autoridade responsável pelo mercado.

É importante notar que essa é uma visão simplista da implementação e funcionamento de um mercado de carbono, que parte de premissas teóricas que devem ser seguidas pelos reguladores. Na prática, o processo de implementação de um mercado de carbono pode levar anos.

 

Mercado voluntário e as instituições financeiras

Enquanto não há um mercado regulado, é possível que as empresas participem do mercado voluntário de carbono. Em 2021, dados preliminares indicam que o mercado voluntário movimentou aproximadamente US$ 2 bilhões em todo o mundo, e é esperado que esse montante continue crescendo nos próximos anos.

O aumento das transações no âmbito do mercado de carbono voluntário tem motivado instituições financeiras ao redor do mundo a desenvolverem soluções e serviços voltados para a facilitação e incentivo às transações de créditos de carbono. Em 2021, por exemplo, o Itaú, em parceria com Canadian Imperial Bank of Commerce (CIBC), com o National Australia Bank (NAB) e com o Grupo NatWest, lançou uma plataforma própria de compensação de carbono, chamada de Project Carbon. A plataforma visa promover a transparência em relação aos preços praticados no mercado voluntário e ao montante de transações realizados, e há expectativa de que ela funcione como um marketplace para negociações de carbono.

Iniciativas desse tipo elucidam o papel primordial das instituições financeiras (IFs) em promover o bom funcionamento dos mercados de carbono. Ao desenvolver soluções que conectem vendedores e compradores de crédito de carbono, as instituições financeiras, além de aumentar seus leques de serviços, contribuem para que empresas de diversos setores cumpram com seus objetivos de redução de emissões de gases de efeito estufa.

Além disso, as IFs também podem desempenhar um papel de provedoras de liquidez e de gerenciamento de riscos no âmbito de um sistema de licenças negociáveis. No mercado voluntário, a heterogeneidade das licenças transacionadas possibilita ainda a disseminação de conhecimento relativo aos preços e riscos de cada ativo, facilitando que empresas identifiquem as estratégias adequadas para que suas metas de sustentabilidade sejam atingidas.

 

Mercado regulado – experiências internacionais

Já na esfera de um mercado de carbono regulado, é possível analisar o papel das Instituições Financeiras no cenário internacional. Em 2021, o “Refinitiv Carbon Market Year in Review” estimou que o mercado de carbono europeu, o European Emission Trading System (EU ETS), passou a valer 683 bilhões de euros em 2021, sendo o responsável por 90% do valor global de mercados de carbono regulados, e as transações dentro do mercado europeu chegaram a 12,2 bilhões de euros.

Na União Europeia, as licenças emitidas (EU Allowances) são tratadas como instrumentos financeiros. Dessa forma, os bancos, instituições de crédito, fundos de investimento e outras instituições financeiras são partes fundamentais para o bom funcionamento do mercado de carbono europeu. De forma geral, a oferta de serviços que facilitam o acesso dos agentes ao mercado de carbono tende a diminuir os custos de transação dentro do mercado, contribuindo para que as empresas atinjam um nível ótimo de compra e venda de licenças negociáveis.

Nos últimos anos, tem-se avaliado se há um potencial especulativo por parte das Instituições Financeiras na União Europeia, especialmente com o crescimento da participação de fundos de investimento nas transações envolvendo créditos de carbono. Por ora, não há evidência de que as atividades financeiras tenham impactado de forma significativa e artificial a formação de preços das licenças no mercado europeu. Ainda, há evidências de que a diminuição de custos de transação promovidas pelos serviços financeiros ofertados auxiliam na estabilização dos preços no EU ETS.

Já em um mercado de carbono recém estabelecido, como é o caso do China ETS, a participação do setor financeiro ainda ocorre de forma tímida. O mercado de carbono chinês foi completamente implementado em janeiro de 2021, e é o maior do mundo em termos de emissões cobertas. Em apenas seis meses de transações, o mercado movimentou cerca de 1 bilhão de euros.

Neste momento de implementação, as instituições financeiras não estão autorizadas a atuar no âmbito do China ETS. Dessa forma, as transações ocorrem eletronicamente por meio de acordo mútuo, e não é permitida a criação de instrumentos financeiros derivados das licenças negociáveis ou de créditos de carbono. No entanto, é possível que as instituições sejam autorizadas a atuar no mercado a medida em que ocorra a evolução do funcionamento no país.

É importante notar, no entanto, que a regulamentação do Artigo 6 do acordo de Paris, ocorrida em 2021 durante a COP 26, prevê a instauração de um mercado de carbono em escala global. Nesse sentido, há expectativa de integração de mercados regulados ainda nessa década, o que aumenta as oportunidades de negócios derivadas de transações de créditos de carbono.

Há expectativa, portanto, de que as instituições financeiras tenham oportunidades de atuação em escala global no âmbito das transações de licenças negociáveis. Para tal, será importante acompanhar o desenvolvimento da regulação e implementação dos mercados de carbono ao redor do mundo e avaliar as possibilidades de inovação em serviços financeiros sustentáveis.

Assim como as instituições financeiras desempenham um papel fundamental em mercados de carbono já estabelecidos, como o europeu, é esperado que o papel de facilitar transações, promover acesso a informação e gerir riscos seja ainda mais importante para um mercado em escala global. Além disso, a construção de uma infraestrutura mundial de transferência de ativos de descarbonização pode contar com a experiência das instituições financeiras ao redor do mundo.

 

O cenário brasileiro

No Brasil, a Política Nacional de Mudança do Clima (PMNC) menciona o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE) ainda em 2009. No entanto, uma proposta de regulamentação desse mercado surgiu apenas em 2021, por meio do Projeto de Lei (PL) Nº 528/2021, de autoria do deputado Marcelo Ramos (PSD/AM).

A matéria foi apresentada em 23 de fevereiro e ainda hoje está em discussão na Câmara dos Deputados. Com o alongar da discussão, o Poder Executivo publicou o Decreto nº 11.075 de 2022 que estabelece os procedimentos para a elaboração dos Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas e institui o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Sinare). A publicação do decreto pode acelerar as negociações relativas à implementação do mercado de carbono no Brasil, que tem sido vista como uma prioridade para o Governo Federal ainda para 2022.

No país, por exemplo, a expertise que o setor financeiro tem adquirido com o compartilhamento de dados, promovido pelo Open Finance, pode facilitar o desenvolvimento de soluções sustentáveis que atraiam mais participantes para o mercado de carbono a partir da promoção de transparência e gestão de riscos em seu funcionamento. Além disso, a implementação de um ambiente favorável ao desenvolvimento de Fintechs propicia a criação de inovação em produtos baseados em transações de créditos de carbono, o que pode apoiar o funcionamento de um mercado regulado no país.

Já a criação de produtos baseados em ativos financeiros mais recentes, como é o caso dos criptoativos e dos NFTs e da utilização de tecnologia blockchain e de inteligência artificial, ainda está em estado nascente. Por enquanto, os participantes do mercado parecem não optar por transações envolvendo esses ativos em um sistema de transações de licenças negociáveis. No entanto, essa lacuna no mercado também pode se tornar uma oportunidade para instituições financeiras.

Assim, a implementação de mercados de carbono oferece uma boa oportunidade para que o setor financeiro seja também um catalisador do cumprimento de metas de descarbonização dos países. Ademais, as soluções já criadas ao redor do mundo são bons exemplos de que a inovação financeira e a mitigação de ricos climáticos podem caminhar juntos.

 

Referências:

Emissions Trading in Practice: A Handbook on Design and Implementation – Banco Mundial, Partnership for Market Readiness e International Carbon Action Partnership (ICAP)

The role of financial institutions in supporting the growth of carbon markets – Climate Asset Management

Financial speculation in the EU ETS – just a rumour? – CRU Group

Ensuring the integrity of the European carbon market – European Commission

China’s Emissions Trading System Will Be The World’s Biggest Climate Policy. Here’s What Comes Next. – Forbes

Carbon Market Year in Review 2021 – Refinitv

Transaction Costs and Tradeable Permits – Robert N. Stavins

Financial Innovation for Emission Trading Scheme – SpringerOpen

Como vão funcionar os mercados de carbono do Artigo 6 do Acordo de Paris – Valor Investe

Tópicos: Meio Ambiente, Sustentabilidade, financeiro, mercado de carbono

Amanda Roza

Escrito por Amanda Roza

Amanda Roza é Consultora de Financeiro e de Sustentabilidade na BMJ Consultores Associados

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