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O Brasil e uma política externa pró-LGBTQIA+

28/05/2023 08:00:00 / por BMJ Consultores

Por Guilherme Gomes, Jales Caur e Tito Sá

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A política externa do Brasil em relação às pautas LGBTQIA+ possui um histórico recente e complexo, marcado por avanços, inação a retrocessos. Durante o período da Ditadura Militar (1964-1985), o debate sobre direitos humanos não fazia parte da agenda internacional do país e os direitos da população LGBTQIA+ sequer eram uma questão relevante. A partir do processo de redemocratização do país, o tema ganhou espaço na política externa, ainda que de maneira tímida.

Durante os governos de José Sarney (1985-1990), Fernando Collor (1990-1992) e Itamar Franco (1992-1994), dado o contexto de grande instabilidade política e econômica, somado ao conservadorismo em uma sociedade que ainda se entendia sob a democracia, a defesa dos direitos humanos caminhou a passos lentos.

Já com Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), o tema começou a ganhar relevância na agenda externa do país. Durante esse período, houve a criação do Departamento de Direitos Humanos e Temas Sociais, no âmbito do Ministério das Relações Exteriores, e o reconhecimento da jurisdição contenciosa da Corte Internacional de Direitos Humanos. Assim, abriu-se a possibilidade para que o Estado brasileiro pudesse ser julgado e condenado em casos de violação de direitos humanos. Foi um momento importante para o fortalecimento da pauta na política externa do Brasil, bem como da ampliação do diálogo junto à sociedade civil.

Durante os governos Lula (2003-2010) e Dilma Roussef (2011-2016), houve poucas mudanças na política externa relacionada aos direitos humanos. Esses governos mantiveram os avanços conquistados no período anterior e buscaram inserir o Brasil mais ativamente em outros fóruns internacionais sobre o tema, com destaque para a participação do país na Organização das Nações Unidas (ONU). Com relação à defesa dos direitos da população LGBTQIA+ no cenário internacional, o principal movimento foi a adesão do governo brasileiro à Convenção contra Todas as Formas de Discriminação e Intolerância, elaborada pela Organização dos Estados Americanos (OEA). O documento indica a obrigação do Estado em proibir e punir atos discriminatórios motivados por questões de orientação sexual.

Contudo, o governo de Jair Bolsonaro (PL), ao adotar posicionamentos de viés mais conservador, afastou-se do histórico recente e se colocou contrário a algumas políticas internacionais favoráveis à igualdade de gênero e à diversidade sexual. Em 2019, durante o governo Bolsonaro, o Brasil declinou o convite para participar de declaração conjunta – com mais de 50 países na Organização das Nações Unidas – em apoio ao fim da criminalização da homossexualidade, ainda realidade em 68 países. Já em 2020, o país foi signatário da Declaração do Consenso de Genebra, que adota posição conservadora sobre direitos de minorias sexuais e mulheres. No mesmo ano, o Brasil liderou uma campanha para suprimir a menção aos direitos LGBTQIA+ de uma resolução da ONU sobre a pandemia da COVID-19. Somado a esses posicionamentos, o Brasil ainda se opôs a mais de 15 recomendações sugeridas no âmbito do Conselho de Direitos Humanos da ONU em 2022.

Com o início do terceiro mandato de Lula da Silva, o Brasil tem retomado posição mais progressista no cenário internacional. Nesse contexto, já durante os primeiros meses de governo Lula, destaca-se o voto brasileiro pela rejeição de duas recomendações na Revisão Periódica Universal da ONU que limitariam a definição de família e discriminariam pessoas LGBTQIA+. De acordo com o Embaixador do Brasil na ONU, Tovar Nunes, o voto foi embasado nos princípios de igualdade estabelecidos na legislação brasileira e na jurisprudência nacional. Ademais, o governo sinalizou que irá acolher algumas das recomendações anteriormente rejeitadas no Conselho de Direitos Humanos da ONU.

 

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Representante do Itamaraty no Conselho de Direitos Humanos da ONU, Tovar Nunes.

 

Ainda, o Brasil anunciou novas ações em prol da comunidade LGBTQIA+ na semana de 17 de maio — o Dia Internacional contra a LGBTQIA+fobia. O Brasil se tornou o primeiro país a oferecer procedimento de refúgio simplificado para pessoas perseguidas por sua sexualidade e/ou identidade de gênero. A simplificação de etapas burocráticas concederá direitos e liberdades garantidas pela Constituição Federal, documentação de registro e de trabalho, assim como a garantia do direito de não devolução ao país de origem. Dessa forma, abre-se precedente para classificar a perseguição contra pessoas LGBTQIA+ dentro da categoria de “fundado temor de perseguição” a grupos sociais — um dos pré-requisitos para a concessão do status de refugiado. Em paralelo, o Brasil aderiu à iniciativa global para o combate de todas as formas de discriminação relacionadas ao HIV, representando compromisso com a equidade e justiça social da população LGBTQIA+.

Além do reposicionamento internacional do Brasil em prol da população LGBTQIA+, houve a recente criação do Grupo de Ação LGBTQIA+ (GAL) do Ministério das Relações Exteriores, iniciativa de diplomatas brasileiros e outros servidores que buscará incorporar perspectivas LGBTQIA+ à política externa brasileira. Ainda que não seja uma ação institucional do próprio Itamaraty, a iniciativa é relevante por ressaltar a necessidade da discussão do tema na esfera internacional e de sua incorporação no discurso diplomático brasileiro.

Esses movimentos sinalizam maior alinhamento do Brasil à causa LGBTQIA+ e representam uma inflexão em relação à política externa adotada durante a gestão passada. Ainda assim, mesmo que as recentes medidas indiquem o resgate da tradição diplomática brasileira pela defesa dos direitos humanos, é necessário que essa reorientação esteja atrelada a ações concretas direcionadas à promoção de direitos LGBTQIA+, não sendo usada, apenas, como retórica para se diferenciar de governos anteriores.

 

*Guilherme Gomes é consultor de Comércio Internacional da BMJ Consultores Associados e líder do BMJ+.

*Jales Caur é estagiário da BMJ Digital e membro do Grupo de Trabalho Externo do BMJ+.

*Tito Sá é consultor de Comércio Internacional da BMJ Consultores Associados e líder do Grupo de Trabalho Externo do BMJ+.

 

Tópicos: Ministério da Justiça e Segurança Pública, LGBTQI+, LGBTQIA+, Política Externa, ONU

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