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“A primeira Coca-Cola”: Um panorama do transporte aéreo brasileiro

Escrito por Alexandre Andrade | 29/07/2020 20:59:42

Assim começa uma das músicas mais impactantes de Milton Nascimento que deveria se chamar “Nas Asas da Panair”, mas, por medo da censura, teve seu nome mudado. Continuando a frase: “A primeira Coca-Cola, me lembro bem agora, foi nas asas da Panair”. Eu também me lembro da voz espetacular de Elis Regina pronunciando-a. Com certeza não foi a última Coca-Cola de Milton Nascimento, mas foi seu último voo pela Panair. Mas por que um consultor tributário traz essa analogia? É porque vou falar de um tema recorrente em meus artigos: a situação complicada do transporte aéreo brasileiro.

Em um país com o território como o nosso, é impensável um cenário de transporte de cargas e de passageiros sem o transporte aéreo. Foi assim que os alemães pensaram em 1920 quando implantaram o Sindicato Condor, que durante a Segunda Grande Guerra Mundial foi renomeada por Getúlio Vargas como Cruzeiro do Sul. Uma cisão do Sindicato Condor criou a Varig em 1927, e nos anos 30 o Governo do Estado de São Paulo criou a VASP. A história da Panair começou com a NYRBA, uma empresa derivada da Pan American de Juan Tripp – mais adiante temos a Real Aerovias, a Aerovias Brasil e a Transbrasil. Todas morreram.

A Panair do Brasil, para quem não sabe, era a empresa aérea mais moderna do hemisfério sul entre as décadas de 1940 e 1960, inaugurou a ala internacional do aeroporto de Heathrow em Londres e foi a primeira empresa aérea sul americana a aterrissar no aeroporto La Guardia, em Nova York. Ela e a Varig apresentavam a bandeira e a qualidade de nosso serviço aéreo ao mundo. Era o Brasil que se apresentava ao mundo.

Muitos podem dizer que esse conceito de soberania é ultrapassado – e eu tenho que concordar – mas em um país tão travado como o nosso, uma atividade que necessita de um investimento de um bilhão de dólares por ano não é viável. Por isso, após elas, vieram a Avianca, que faliu; a TAM, que foi incorporada pela LAN Chile formando a LATAN; a GOL que enfrenta dificuldades com sua frota cambaleante, e a Azul, que está um pouco mais sólida.

O surto do novo coronavírus está matando companhias aéreas no mundo todo. Aqui não será diferente, a demanda caiu, mas as parcelas dos arrendamentos de aeronaves não. Além disso, a alta do dólar ocorrida no final de 2019 fez com que os investimentos fossem paralisados.

A LATAN Brasil recentemente devolveu para a arrendadora várias aeronaves, dentre elas os moderníssimos AIRBUS A-350, que mesmo sendo mais econômicos que seus concorrentes, tem um custo de arrendamento extremamente elevado. A GOL está envolta no problema do Boeing 737-MAX, que está em solo desde que vários defeitos de projeto foram identificados.

A LATAN da Argentina já fechou, as do Chile e do Brasil estão em recuperação financeira nos Estados Unidos. Há muita turbulência. A Azul não é exatamente uma empresa brasileira, por isso está sobrevivendo.

A viabilidade do transporte aéreo de passageiros no Brasil parece muito distante de ser alcançada e, dentre as várias soluções identificadas, existe a possibilidade de que empresas estrangeiras possam operar linhas domésticas. O governo está incapacitado de socorrer as nacionais e não pode deixar que o transporte aéreo fique sem prestador.

Então, não temos mais uma “Estrela Brasileira no Céu Azul, Iluminando de Norte a Sul”, e, embora ainda exista a Coca-Cola, em breve não teremos mais asas brasileiras.