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Sunshine Act Brasileiro: a Medida Provisória sobre conflitos de interesse entre médicos e a indústria farmacêutica

Escrito por BMJ Consultores | 03/07/2022 11:00:00

Por Gabriela Bolcero, Júlia Coury e Maíra Oliveira*

É comum que temas relacionados a saúde ganhem proeminência em períodos eleitorais. Este ano, contudo, o tema tomará um espaço ainda mais destacado nos debates, em razão dos impactos da pandemia e a experiência nacional no período. Portanto, é um ambiente fértil para que o Governo Federal implemente ações com boa repercussão pública, o que ajudará a mitigar críticas ao Ministério da Saúde e à condução do Sistema Único de Saúde (SUS).

As críticas à gestão do SUS e ações de saúde foram constantes durante a pandemia, mas ganharam força principalmente durante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, realizada no Senado Federal em 2021, onde foram denunciadas iniciativas comerciais não republicanas no interior da pasta da saúde. Como resposta, neste ano, o ministro Marcelo Queiroga (MS) publicou a nova Política de Governança do Ministério da Saúde com vistas a dar maior transparência nas relações com fornecedores de produtos e serviços, e agora articula a publicação de uma medida provisória (MP) que busca conferir maior lisura às relações entre a indústria farmacêutica e os médicos. Esta medida tem sido chamada nos bastidores de “Sunshine Act Brasileiro”, em alusão à política norte-americana, mais antiga, que possui o mesmo objetivo.

                O Sunshine Act brasileiro obrigará as empresas a divulgar pagamentos, benefícios ou vantagens de qualquer espécie concedidas a médicos, estabelecimentos de saúde, associações de pacientes ou pessoas em cargos públicos, e tem sido entendida como um avanço de transparência em um ano e um setor crucial para a sustentabilidade do Palácio do Planalto. A medida, contudo, é uma demanda antiga no setor de saúde, que antes da CPI da Pandemia já havia passado por outros escândalos de evidência nacional, como o caso conhecido como “Máfia das Órteses e Próteses”, em 2016. Assim, em uma ação inteligente, o governo atenderá a demanda reprimida por mais transparência, ao passo que dará uma sinalização para sociedade do compromisso com a boa condução do SUS.

                Não obstante aos ganhos eleitorais estratégicos, cabe destacar que o Sunshine Act é defendido por Queiroga há anos, a exemplo de seus discursos de posse na Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), ao final de 2019, onde afirmou que a entidade não receberia nenhum benefício da indústria durante sua gestão. Se havia falta de vontade política para a adoção dessa medida anteriormente, hoje o cenário é muito mais favorável.

                De iniciativa do Ministério da Saúde, a proposta ainda está em avaliação pelos Ministérios da Justiça e Segurança Pública, Controladoria-Geral da União e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Uma vez acordada internamente pelo Governo precisará ser publicada e então tramitará pelo Congresso Nacional, momento em que receberá especial atenção tanto da indústria quanto de parlamentares e setores atuantes em saúde pública. Isso porque durante a tramitação no Congresso seu escopo pode ser expandido ou encolhido, a depender dos ajustes de forças políticas. Assim, ainda que a intenção atual seja manter a norma de modo a não afetar setores diversos, esta possibilidade não está descartada e deve ser acompanhada com cautela pelos setores produtivos.

Vale destacar que apesar da defesa da sunshine act por parte de Marcelo Queiroga, como abordado, a MP precisará tramitar pelo Congresso Nacional para efetivamente se tornar uma lei, e neste ponto, é esperado que sofra resistências. Atualmente existe em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) 7990/2017 (e apensados), com objetivo semelhante ao da medida provisória do Ministério da Saúde. O fato de o citado projeto estar sem movimentações desde 2019 demonstra que a possível MP sobre o tema enfrentará resistências dentro do Congresso Nacional.

                Diante do exposto, é possível perceber que apesar das possíveis resistências, evidenciadas também pelo fato das primeiras notícias sobre a publicação da medida provisória datarem de janeiro deste ano, o fato é que existe atualmente a tendência de aumento de medidas que visem a transparência e integridade no setor de saúde. Sendo assim, a publicação do Sunshine Act tem espaço para ser uma das grandes pautas eleitorais deste ano e, se efetivamente publicada, agregará avanços necessários para a transparência e consequente sustentabilidade do SUS, com acenos domésticos e internacionais importantes para um país que passou a se preocupar ainda mais com a atração de indústrias de saúde como meio para o fortalecimento do Complexo Industrial da Saúde.

 

*Gabriela Bolcero é Consultora de Saúde e Bens de Consumo na BMJ.

*Júlia Coury é especialista em Relações Internacionais e mestranda em Desenvolvimento Internacional.

*Maíra Oliveira é Consultora de Saúde e Bens de Consumo na BMJ.