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STF deve julgar 15 processos contra reeleições em Assembleias Legislativas

Escrito por BMJ Consultores | 12/09/2021 11:00:00

Por Luiz Belchior e Andressa Canela*

No início deste ano, as eleições para definir as Mesas Diretoras das casas que compõem o Congresso Nacional mobilizaram intensamente os mundos político e jurídico de Brasília. Tal agitação se deu porque o país se viu diante de uma regra pouco conhecida. O parágrafo quarto do artigo 57 da Constituição Federal afirma que:

Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente. (BRASIL, 1988, Art. 57)

Nessa perspectiva, estaria expressamente proibido que o primeiro presidente de uma legislatura fosse reeleito, mas dá condições para que o eleito nos últimos dois anos do período o possa fazer quando os mandatos se renovam. Nesse caso, o então presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre (DEM/AP), eleito ao cargo pela primeira vez em 2019, não poderia concorrer à recondução, enquanto seu eventual sucessor teria esse direito.

O então presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (então DEM, hoje sem partido), já havia contornado a legislação anteriormente e tentava costurar uma maneira de conquistar o quarto mandato no comando da Casa, embora negasse publicamente esse fato. Maia assumiu a presidência da Câmara pela primeira vez em votação para um “mandato-tampão” de seis meses depois da renúncia de Eduardo Cunha (MDB/RJ), condenado na Operação Lava Jato. Por isso, pôde disputar mais uma eleição na mesma legislatura, sendo reeleito na troca dos mandatos.

Havia a expectativa de que o STF pudesse tomar uma decisão favorável aos antigos presidentes, para garantir a igualdade do direito a uma reeleição para Davi Alcolumbre no Senado ou mesmo politicamente para evitar um mandato aliado ao presidente Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados. No julgamento virtual, que ocorre com votos escritos, diferentemente dos votos orais com os quais estamos habituados, o relator da matéria, ministro Gilmar Mendes, votou a favor de permitir mais um mandato a ambos, com a ressalva de que a partir de 2023 a regra seja para uma única reeleição independentemente das legislaturas.

Este voto, a melhor das hipóteses para Maia e Alcolumbre, foi acompanhado pelos ministros Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski. Nunes Marques optou pelo direito a uma reeleição, que abarcaria o Senado, mas Maia não poderia se candidatar. No entanto, os ministros Marco Aurélio, Cármen Lúcia, Rosa Weber, Roberto Barroso, Edson Fachin e Luiz Fux decidiram pela interpretação vigente, considerada mais literal, que impede que os parlamentares se reelejam dentro de uma mesma legislatura, frustrando as chances de Maia e Davi serem reconduzidos às presidências.

Como consequência direta dessa decisão, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal se reuniram no dia 1º de fevereiro para definirem suas mesas diretoras para o próximo biênio. Arthur Lira (PP/AL) venceu o pleito na Câmara, e Rodrigo Pacheco (DEM/MG), no Senado. A partir deste entrave, o STF foi bombardeado de ações que contestam as reconduções de chefes do Legislativo nas assembleias estaduais (AL, DF, ES, MA, MT, PA, RJ, RO, RR, SE e TO).

Diferentemente do observado no Congresso Nacional, com extensa negociação entre blocos e partidos para apoio dos candidatos, as eleições nas Assembleias Legislativas geralmente são vencidas por larga maioria, muitas vezes com chapa única a se candidatar. Ao todo, oito presidências de assembleias estão ocupadas por políticos por mais de quatro anos. O recordista é o deputado Themístocles Filho (MDB), que preside a Assembleia Legislativa do Piauí há 16 anos, desde 2005, atualmente no seu nono mandato como presidente.

Os presidentes das casas legislativas do Paraná, Rio Grande do Norte e Sergipe dão sequência à lista, eles são reeleitos desde 2015 e não tiveram concorrentes nas três últimas eleições. O caso da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) se assemelha ao de Rodrigo Maia, André Ceciliano (PT) assumiu a presidência da Alerj interinamente em 2017, por ocasião da prisão do então presidente da casa, Jorge Picciani (MDB), que presidiu entre 2003 e 2011, depois de 2015 a 2017. Em 2019, Ceciliano foi eleito presidente da casa pela primeira vez e a sua primeira recondução ocorreu em 2021. “A situação atual da Alerj, portanto, não conflita com o entendimento jurídico ora firmado” disse o ministro Barroso, referindo-se à decisão do Supremo a respeito das reeleições na Câmara e Senado.

Neste contexto, o ministro Alexandre de Moraes já deferiu medidas monocráticas em que obrigou as Assembleias do Mato Grosso e de Roraima a dissolverem as mesas diretoras e convocarem novas eleições. No caso do Espírito Santo, o relator ministro Lewandowski decidiu que as sucessivas reconduções, ainda que permitidas pela constituição estadual, são irregulares, mas manteve o presidente em 3º mandato, Erick Musso (Republicanos), no cargo, enquanto o colegiado decide sobre o efeito retroativo desta decisão, que pode afetar múltiplos estados.

O ministro Gilmar Mendes, então, pediu vista de todos os 15 processos que tratam das reconduções nos órgãos estaduais. A Corte planeja votar essas ações em blocos, a fim de uniformizar os entendimentos para definir se a aplicação da norma federal deve ser seguida pelos estados e se a recondução será vetada para toda a mesa diretora.

Nesse aspecto, vale lembrar que todos os 26 estados têm suas próprias constituições e o Distrito Federal, por sua vez, é regido por uma Lei Orgânica. Alguns desses estados têm a possibilidade de reeleição para o presidente do Legislativo prevista na constituição, sem qualquer restrição quanto à legislatura. Hoje, não há uma regra manifesta no sentido de Assembleias terem de seguir as normas estabelecidas para o Congresso Nacional.

No entanto, se tratando da alternância de poder, um aspecto fundamental das democracias, o Supremo poderá tomar uma decisão generalizante, a fim de regulamentar uma questão que muitas vezes não encontra limites nas constituições estaduais ou nos regimentos internos das casas legislativas, proporcionando um ambiente com maior concorrência política, que beneficia a sociedade na medida em que promove mais debates e mais políticas públicas.

 

*Luiz Belchior  atua na equipe de Estados e Municípios da BMJ.

*Andressa Canela é Coordenadora de Estados e Municípios da BMJ.