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Programas de transferência de renda: do Bolsa Família ao Auxílio Brasil

Escrito por BMJ Consultores | 14/11/2021 13:00:00

Por Eduardo Martins e Larissa Sena*

Historicamente, o Brasil é um país desigual com altos níveis de concentração de riquezas e uma vasta parcela da sociedade que vive em condição de pobreza, extrema pobreza ou miséria. É nesse contexto que surge um dos principais programas sociais da história do país, responsável por alterar consideravelmente o status brasileiro de pobreza em rankings internacionais e de tirar milhares de pessoas e famílias do mapa da fome: o Bolsa Família, programa de transferência condicionada e focalizada de renda instituído em 2004 pela Lei 10.836.

O programa foi constituído por meio da unificação de benefícios criados no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e tem como principais objetivos combater a fome e a pobreza, promover a segurança alimentar e o acesso a serviços públicos de famílias que vivem abaixo da linha de pobreza. Além disso, o Bolsa Família também contribuiu consideravelmente para a redução da evasão escolar e o aumento do nível de escolaridade no País.

Segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre os impactos do Programa Bolsa Família na redução da pobreza e desigualdade, em 2019, cerca de 70% dos recursos do Programa alcançaram os 20% mais pobres, de modo que houve uma redução na pobreza de 15% e na extrema pobreza de 25%. Ademais, o estudo sugere que a boa focalização do benefício é responsável pelo seu impacto positivo na redução da pobreza, e aponta o baixo valor das transferências como limitador deste impacto. É válido destacar que o orçamento destinado ao Bolsa Família equivale a apenas 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.

No primeiro mandato de Dilma Rousseff, ex-presidente do país, o Programa foi vinculado ao Brasil sem Miséria, benefício social que tinha como objetivo superar a extrema pobreza até 2014. Contudo, em 2015, no auge da crise econômica, formou-se uma enorme fila de pessoas aguardando o auxílio. O governo subsequente, do ex-presidente Michel Temer (PSDB), foi muito criticado pelo abrangente desligamento de núcleos familiares do Bolsa Família, de modo que os dois maiores cortes da história do Programa se deram durante a sua gestão.

Em 2019, Jair Bolsonaro é eleito. O novo Presidente, durante os mandatos que exerceu na Câmara dos Deputados, constantemente condenava o Bolsa Família. Para o então deputado, tratava-se de uma manobra dos governos petistas para angariar votos e garantir sua permanência no poder, assim, defendia a transição para o fim do benefício.
Após sua eleição, porém, a postura do líder de Estado mudou drasticamente. Em 2019, Bolsonaro assinou uma Medida Provisória (MP) que criava uma espécie de 13º salário aos beneficiários do Bolsa Família, contrariando as acusações da oposição durante sua campanha eleitoral, que afirmavam que, se eleito, Bolsonaro acabaria com o benefício.

A crise sanitária do coronavírus, que teve início em 2020, trouxe um forte golpe para a popularidade do governo, que viu seu grau de popularidade decair constantemente. Diante do intenso desgaste e da aproximação da eleição ao Planalto, o governo federal tem apostado em políticas públicas com maior apelo social, como o Bolsa Família, acenando à população mais carente e buscando angariar apoio. Entretanto, fazia-se necessário desvincular a imagem do Programa dos governos petistas, que sempre estiveram ligados a ele, principalmente entre a população mais vulnerável do País.

Neste sentido, em agosto deste ano, o governo entregou ao Congresso Nacional a Medida Provisória 1.061/2021, que institui o Auxílio Brasil e extingue o Bolsa Família. Contudo, tem enfrentado dificuldades em apresentar a fonte de financiamento do novo programa, considerando o teto de gastos e a necessidade de uma contrapartida fiscal. O Auxílio Brasil, que consiste na reformulação do Bolsa Família tornando-o mais robusto com o aumento da população atendida e do valor transferido, foi regulamento através do Decreto 10.852/2021, publicado em 8 de novembro.

No dia 20 de outubro, João Roma, ministro da Cidadania, finalmente definiu melhor como o programa está desenhado. Primeiramente, verifica-se que o programa é corajoso quanto ao número de beneficiários. Segundo o governo, a proposta é zerar a fila que hoje existe para o Bolsa Família e atingir aproximadamente 17 milhões de pessoas. Hoje, o número é próximo de 14,6 milhões. O gráfico a seguir mostra a evolução dos beneficiários, mostrando o choque na gestão Temer e o proposto no Auxílio Brasil.

Fonte: Ministério da Cidadania. Elaboração: BMJ.

Sobre o valor do benefício, foi deixado claro que o reajuste permanente em relação ao Bolsa Família será de aproximadamente 20% nas parcelas. Além disso, será concedido um benefício temporário para que as famílias recebam no mínimo R$ 400 até o final de 2022. Sobre a parcela permanente, o gráfico a seguir mostra sua evolução:

Fonte: Ministério da Cidadania. Elaboração: BMJ.

O que se observa no número de beneficiários e no tíquete médio é uma recomposição de perdas sofridas ao longo dos anos com regras mais duras para a permanência no Bolsa Família e em reajustes que não eram páreos para a inflação. Ressalta-se que o benefício temporário foi tratado como uma forma de amparo às famílias, em razão de parte estar recebendo o Auxílio Emergencial, e também pela congregação de benefícios que se dará por meio do Auxílio Brasil.

Para se entender essa questão, é preciso discriminar que a MP responsável pela instauração do programa faz menção a nove modalidades, sendo três do núcleo básico: o Benefício Primeira Infância, o Benefício Composição Familiar e o Benefício de Superação da Extrema Pobreza. Além disso, as outras seis modalidades englobam o Auxílio Esporte Escolar, a Bolsa de Iniciação Científica Júnior, o Auxílio Criança Cidadã, o Auxílio Inclusão Produtiva Rural, o Auxílio Inclusão Produtiva Urbana e o Benefício Compensatório de Transição.

Entende-se que o aumento no número de beneficiários e do tíquete médio é importante para a superação da pobreza. Os indicadores de fome e miséria voltaram a subir em 2020 em razão da crise do coronavírus e ao fechamento de diversos postos de trabalho. A medida poderá aquecer a economia com a reinserção na cadeia de consumo de pessoas que poderiam estar fora em razão da perda de renda.

Entretanto, é necessário falar de custos e da forma como o programa está sendo instaurado. Tenta-se vincular a viabilidade do Auxílio Brasil com as mudanças inseridas na PEC dos Precatórios como uma forma de pressionar os parlamentares a aprovarem tais alterações. Com a aproximação de um ano eleitoral e o risco da imagem dos parlamentares ser associada com a não implementação de um benefício social, há uma barganha feita pelo governo para que isso seja aprovado.

A PEC dos Precatórios, do modo como o texto-base foi aprovado, gera uma folga de aproximadamente R$ 91 bilhões para o governo no orçamento de 2022. R$ 47 bilhões seriam advindos da mudança no cálculo do teto de gastos, o que não é uma situação muito absurda visto que apenas altera a inflação calculada para o período de janeiro a dezembro do ano de elaboração do orçamento. Outros aproximadamente R$ 45 bilhões seriam decorrentes da alteração no pagamento dos precatórios e no índice de reajuste. A situação aqui é mais tocante para o mercado, que avalia como um calote dado pelo governo.

O custo atrelado ao novo programa em 2022 é de aproximadamente R$ 84 bilhões, segundo o Ministério da Economia. Destes, R$ 34 bilhões seriam advindos das verbas já previstas para o Bolsa Família, os outros R$ 50 bilhões seriam decorrentes da aprovação da PEC. Parte do valor (aproximadamente R$ 12,4 bilhões) seriam para o aumento permanente do programa, e o restante (aproximadamente R$ 38 bilhões) seriam para o benefício temporário.

Vale ressaltar que a utilização da alcunha de temporário para o benefício também foi uma cartada do governo para facilitar a sua aprovação, considerando que para a criação de uma nova despesa permanente ou um aumento de uma já existente é necessário fazer a vinculação a uma fonte de financiamento. Despesas temporárias não possuem essa amarra, facilitando assim a sua criação.

Entretanto, dado o impacto que tal valor terá na realidade das famílias, não se espera que o fim do benefício ocorra em dezembro de 2022. O próximo presidente, mesmo ele sendo o mesmo que deu o prazo final para o gasto extra, sofrerá grande represália dos eleitores com a redução do benefício. E, assim, a conta só será cobrada do governo em 2023.

 

*Eduardo Martins é consultor do Núcleo de Inteligência e Análise Política da BMJ Consultores Associados.

*Larissa Sena é estagiária do Núcleo de Inteligência e Análise Política da BMJ Consultores Associados.