BLOG BMJ

Perspectivas para a revisão da Tarifa Externa Comum no MERCOSUL

Escrito por Geovana Pessoa | 05/08/2020 20:28:07

A Tarifa Externa Comum (TEC) dispõe sobre a aplicação da alíquota do Imposto de Importação para as mercadorias importadas pelos países do MERCOSUL. Conforme previsto no Tratado de Assunção, a partir de 1º de janeiro de 1995, os Estados Partes do MERCOSUL criaram a estrutura da Tarifa Externa Comum, com base na Nomenclatura Comum do MERCOSUL (NCM), com os direitos de importação passando a incidir sobre cada uma das NCMs. A TEC varia de acordo com cada categoria de produto, oscilando entre alíquotas de 0 e 35%.

A aplicação da TEC é uma das condições necessárias para que o MERCOSUL seja classificado como uma união aduaneira, uma vez que permite que os países obtenham as mesmas vantagens competitivas no comércio internacional em razão da aplicação conjunta das tarifas às importações. Portanto, a TEC foi idealizada para servir aos interesses de todos os países do MERCOSUL.

A proposta de revisão da Tarifa Externa Comum visa à redução gradual do Imposto de Importação aplicado pelos países do MERCOSUL aos produtos advindos de origem extrabloco. Essa pauta tomou proporções maiores a partir de 2019, quando, inicialmente, a equipe econômica da administração Bolsonaro defendeu a redução horizontal da TEC, com o objetivo de aprofundar a abertura comercial do MERCOSUL e fomentar a competitividade no bloco. O governo brasileiro alegou, ainda, que a TEC está em vigor há mais de vinte anos e não foi submetida a nenhuma revisão abrangente durante esse período.

A possibilidade de uma abertura comercial muito ampla causou descontentamento em alguns setores produtivos, que alegaram possíveis danos às indústrias regionais, sob o argumento de que os bens manufaturados e semimanufaturados teriam o imposto reduzido de forma muito abrupta. Outro argumento foi de que o custo, a burocracia e as barreiras para a produção nos países do bloco costumam ser maiores do que em outros países e, por essa razão, os governos deveriam viabilizar um ambiente mais propício para que as empresas domésticas pudessem competir com paridade com as estrangeiras.

Para além do descontentamento de diversos segmentos, o atual governo argentino, dirigido por Alberto Fernández, apresenta uma oposição veemente à revisão da TEC, por entender que o presente cenário do país não está favorável para a reforma nas tarifas. Seu posicionamento é diametralmente oposto ao do ex-presidente da Argentina, Maurício Macri, que apoiou a proposta da reforma da TEC, sendo, inclusive, um idealizador do procedimento no âmbito do MERCOSUL.

Apesar de a reforma ter sido considerada uma pauta prioritária pela Presidência Pro Tempore do Paraguai no MERCOSUL para 2020, o cenário de pandemia da COVID-19 fez com que os diálogos sobre este tópico perdessem relevância, tendo em vista que as reuniões do MERCOSUL ficaram suspensas entre março e abril e, quando retomadas por videoconferência, priorizaram outros temas relacionados ao combate ao coronavírus. Destaca-se, ainda, que o avanço da doença contribuiu para que o cenário econômico de diversos países sofresse deterioração e, em razão disso, o posicionamento da Argentina em relação à revisão da TEC tornou-se ainda mais contrastante àquele adotado pelos outros Estados Partes do MERCOSUL.

O posicionamento do Brasil, por sua vez, apresenta um caráter mais ponderado atualmente. Na Cúpula dos Chefes de Estado do MERCOSUL, que ocorreu em 2 de julho de 2020, o presidente Jair Bolsonaro destacou que o MERCOSUL é o “principal veículo” para a inserção do Brasil no comércio internacional. Isso demonstra que o governo brasileiro busca se adequar ao diálogo com os demais integrantes do bloco, ao invés de impor uma proposta que possa ser considerada radical pelos outros países, principalmente a Argentina. As declarações sobre uma possível abertura unilateral também deixaram de tomar grandes proporções, especialmente porque a pauta de revisão da TEC tem apoio do Uruguai e do Paraguai e, eventualmente, deve ser retomada.

O principal argumento para a reforma da Tarifa Externa Comum está baseado em equipará-la à média de tarifas aplicadas por outros países importantes no comércio mundial, além de diminuir a discrepância entre as alíquotas vigentes para os mais diferentes setores. Os Estados Partes estudam a possibilidade de uma revisão da TEC por setores em vez de uma redução geral e abrangente. Até o momento, diálogos extraoficiais indicam uma perspectiva de redução das tarifas em até 40%, que deve ser realizada gradualmente em um período médio de quatro anos.

Com a 56ª Cúpula de Chefes de Estado do MERCOSUL, realizada em 2 de julho, ocorreu a troca de gestão na Presidência Pro Tempore do bloco do Paraguai ao Uruguai, que o ocupará o cargo ao longo deste semestre. Este país apresenta posição conciliatória, defendendo maior flexibilidade nas tratativas do MERCOSUL, com ênfase na integração regional e no respeito às regras acordadas entre todos os membros do bloco.

Durante a Cúpula de Chefes de Estado, os países se comprometeram a analisar mudanças na TEC. Ainda assim, considera-se que dois principais obstáculos devem ser superados antes da consolidação de uma proposta para a revisão da Tarifa Externa Comum: a dissidência da Argentina quanto ao posicionamento favorável dos demais países do bloco para a redução das tarifas; e o diálogo com as indústrias domésticas, especialmente argentina e brasileira, que demandam uma proposta de revisão que considere os obstáculos enfrentados pelo setor produtivo dos países do MERCOSUL.

Ademais, as perspectivas de avanço na agenda de reforma da política comercial do MERCOSUL tornam-se limitadas devido aos impactos sociais e econômicos da pandemia, que continuarão a reverberar ao longo do segundo semestre de 2020 e, portanto, deverão ser mantidos como a pauta prioritária do bloco. Dessa forma, ainda que a revisão da Tarifa Externa Comum seja uma agenda relevante para o Brasil, Paraguai e Uruguai, existem obstáculos a serem considerados, o que pode adiar a retomada do tema.