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O que a COP27 nos trouxe sobre a futura política climática brasileira?

Escrito por BMJ Consultores | 08/12/2022 18:06:50

Por Daniel da Silva e Luiz Felippe Belchior*

A 27ª Conferência das Partes (COP27) da Organização das Nações Unidas (ONU) foi realizada em Sharm El-Sheik, no Egito, entre os dias 6 e 16 de novembro. A conferência criou grande expectativa ao redor do mundo ao se promover como aquela que seria a “COP da implementação”, após um relevante progresso de estabelecimento de metas de redução de emissões de gases causadores das crises climáticas que se concretizou na COP26, em Glasgow, na Escócia. No entanto, pouco progresso foi observado na conferência deste ano em relação ao mercado de carbono e às ações que visam diminuir as emissões de gases poluentes, que continuam a subir ano após ano.

O principal anúncio nesse sentido veio da União Europeia, que chegou pressionada ao evento devido à crise energética em decorrência do conflito desenvolvido entre Rússia e Ucrânia, o qual levou o continente a aumentar a participação de termelétricas na geração de energia. A fim de sinalizar para a continuidade da transição para uma economia de baixo carbono, o grupo de países decidiu elevar de 55% para 57% o nível de redução de emissões até 2030. Por outro lado, alguns desses mesmos países são aqueles que mais obstruem o avanço na disponibilização de financiamento para que os países em desenvolvimento possam viabilizar a transição para uma economia de baixo carbono.

O destaque da COP27 ficou mesmo com o tema de perdas e danos, que, incluído na pauta da conferência às vésperas do início, foi a frente que evitou que a reunião fosse considerada um fracasso. Desde antes do início da COP27, alguns países especialmente vulneráveis às catástrofes climáticas, como ilhas, já demonstravam que iriam pleitear um debate mais profundo acerca do tema de perdas e danos, que jamais havia sido debatido em assembleias internacionais como essa. Como resultado, ficou definida a criação de um comitê, possivelmente integrado por representantes de governos e da sociedade civil, que vai começar a definir a partir de março os critérios de funcionamento de um fundo exclusivo para perdas e danos, a ser votado na COP28, e começar a funcionar efetivamente em 2024.

Mas, se por um lado, a COP27 não trouxe grandes novidades para o cenário mundial de meio ambiente, a movimentação das delegações brasileiras no evento, que ocorreu apenas uma semana após o fim do segundo turno das eleições, deixou algumas pistas do que pode ser o futuro do país na temática ambiental. A começar pelo governo federal, representado principalmente pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, que optou por focar no tema da geração de energias a partir de matrizes renováveis no Brasil, escapando, dessa forma, de falar sobre a Amazônia e os dados de desmatamento e queimadas, temas caros ao governo.

Poucos dias após a confirmação da vitória do ex-presidente Lula (PT) no segundo turno das eleições presidenciais, o petista anunciou que iria à COP27, depois de receber convites do presidente do Egito, Abdel Fattah El-Sisi, e do governador do Pará, Helder Barbalho (MDB). A participação dos mandatários estaduais ocorreu em menor intensidade quando comparada à presença na COP26, ocasião na qual 13 dos 27 governadores estiveram presentes negociando planos para reduzir as emissões de gases causadores das crises climáticas. Mesmo assim, os governadores de oito estados (AC, AP, ES, MT, RN, RO, PA e TO) foram à COP27 apresentar para o mundo um contraponto à política ambiental desenvolvida pelo governo Bolsonaro (PL). Segundo o chefe do Executivo do Amapá, Waldez Góes (PDT), seria “impossível” apresentar a Amazônia dos estados da Amazônia Legal dentro do stand do governo central.

Diferente do esperado, os governadores não estavam representando somente os estados que governam. Recentemente, foi observada a criação de diversos consórcios interestaduais, que na maioria são pautados pelo objetivo da cooperação multilateral para promover o desenvolvimento econômico e social, aliado a projetos ambientais sustentáveis. Os principais exemplos dessas associações são o Consórcio Amazônia Legal, criado em março de 2019, reunindo os nove estados com território na floresta tropical; o Consórcio Brasil Verde, lançado em novembro do ano passado, durante a COP26, que une 22 unidades da federação; o Consórcio Nordeste, criado em 2019, com os nove estados da Região; e o Consórcio Brasil Central, o mais antigo, criado em 2015, integrando estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, com finalidade de desenvolver a região. Em pronunciamento na COP27, o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), que também preside atualmente o Consórcio Brasil Verde, afirmou que o grupo interestadual foi formado diante da distância do governo federal em atuar nos temas propostos. Casagrande falou ao lado de lideranças do governo de transição, mas também ressaltou que o fomento às mobilizações estaduais deve continuar, ainda que o próximo governo de Lula seja mais presente nos assuntos. Ainda, recomendou que todos os estados brasileiros apresentem um plano para neutralidade de carbono.

A delegação do presidente eleito trouxe, evidentemente, um discurso bastante político, carregado de críticas à postura ambiental apresentada pelo Brasil durante a gestão de Bolsonaro, também com críticas e sugestões sobre a governança da Organização das Nações Unidas. Nesse aspecto, Lula defendeu que a ONU não pode ser palco para discussões teóricas “intermináveis” que não são colocadas em prática, além de defender mudanças no Conselho de Segurança da Organização, um antigo pleito da política externa brasileira. Ainda no âmbito da política externa, ressaltou que pretende retomar o reforço na cooperação com países latino-americanos, caribenhos e africanos, propôs uma aliança mundial pela segurança alimentar e uma reunião entre os países amazônicos, e ofereceu o Brasil para sediar a COP30. Lula também cobrou dos países desenvolvidos mais celeridade para disponibilizar os US$ 100 bilhões de dólares anuais os quais eles se comprometeram a pagar a partir de 2020.

A respeito de assuntos internos, o futuro presidente citou reiteradamente que a responsabilidade fiscal deve estar junta da responsabilidade social, criticou o teto de gastos, e afirmou que um governo deve ter compromisso com o crescimento, geração de emprego e aumento real do salário-mínimo, além de defender os programas de auxílio aos produtores rurais familiares ou de grande porte. Mencionou ainda investimentos em energias solar e eólica, hidrogênio verde, biocombustíveis, saneamento básico e reciclagem. Sobre o contexto político do Brasil, Lula avaliou que vai assumir um país em situação pior do que aquela quando assumiu a Presidência em 2003, com o desafio de reconstituir o crédito da sociedade nas instituições democráticas.

O presidente eleito anunciou que o combate às mudanças climáticas ocupará o mais alto perfil na estrutura do seu próximo governo, sugerindo que a sustentabilidade deva ser um tema transversal e determinante para a realização de políticas públicas em todos os demais setores. Lula e demais integrantes do governo de transição criticaram o fato de o Brasil apresentar três espaços físicos diferentes na conferência: um do governo federal; outro da sociedade civil, o chamado Brazil Climate Action HUB; e outro para o Consórcio Amazônia Legal. Os representantes prometeram que o país vai voltar a se apresentar de maneira uníssona, altiva e integrada, com apoio a estudantes, pesquisadores e atores da esfera pública para as próximas conferências internacionais.

Os representantes da equipe de transição também se comprometeram com o desmatamento ilegal zero, com o fim do garimpo em terras indígenas e com a reestruturação das instituições de fiscalização e controle ambientais. Algumas dessas medidas, bem como a instituição de uma Autoridade Nacional para o Clima, foram sugeridas pela ex-ministra e deputada federal eleita, Marina Silva (Rede/SP), que esteve com Lula na COP e é cotada tanto para o novo cargo quanto para o Ministério do Meio Ambiente. O novo posto de autoridade climática gerou bastante interesse no primeiro momento, pois deve estar mais próximo à estrutura da Presidência da República. No entanto, é possível que o cargo tenha um caráter mais simbólico, enquanto o poder de decisão deve continuar mais presente no Ministério.

Os senadores Randolfe Rodrigues (Rede/AP) e Jaques Wagner (PT/BA), o primeiro por representar um estado da região amazônica e o segundo por presidir a Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado Federal, também são cogitados para os cargos. Entretanto, cabe ao futuro presidente avaliar se pretende abrir mão desses nomes no Congresso Nacional diante da eleição expressiva de expoentes da direita no Poder Legislativo. Nesse sentido, alguns nomes que não terão mandato a partir de 2023 também apresentam relevantes possibilidades de integrar o governo, como a ex-ministra Izabella Teixeira, os deputados federais Alessandro Molon (PSB/RJ), Rodrigo Agostinho (PSB/SP) e a deputada federal Joenia Wapichana (Rede/AP), que pode assumir o novo Ministério dos Povos Originários.

A definição sobre quem deverá encabeçar os principais cargos de relevância na esfera ambiental certamente determinará os caminhos da política climática nacional, mas alguns indícios já foram dados tanto pelo presidente eleito quanto pelos membros do Grupo de Trabalho de Transição do Meio Ambiente. Eles acreditam na possibilidade de haver uma reestruturação da estrutura governamental, passando por questões como orçamento e a função dos bancos públicos, para que a agenda da sustentabilidade seja compreendida como uma agenda de desenvolvimento, à luz da necessidade de maiores investimentos para o combate das crises climáticas. O grupo também promete que o fortalecimento dos órgãos de fiscalização e a revogação de normas da última gestão podem refletir rapidamente em uma diminuição do desmatamento nos primeiros meses de governo.

Em suma, as expectativas geradas em torno no discurso político de Lula e seus aliados em relação ao tema do Meio Ambiente são ambiciosas, e seu discurso na ONU foi bem recebido pela comunidade internacional. No entanto, ao assumir o governo, a realidade política deverá se impor. A implementação de todas essas medidas será apenas um dos itens na mesa de negociação, o que pode levar a questão climática, novamente, a uma posição de coadjuvante nas prioridades governamentais.

 

*Daniel da Silva é estagiário de Relações Governamentais da BMJ Consultores Associados.

*Luiz Felippe Belchior é consultor de Sustentabilidade da BMJ Consultores Associados.