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MP das Fake News: A suspensão do efeito jurídico e a extensão do efeito político

Escrito por BMJ Consultores | 19/09/2021 11:00:00

Por Gianluca Benvenutti, Isabela de Castro e Lucas Fernandes*

O tema das Fake News está no cerne das tensões entre os poderes Executivo e Judiciário. No início de agosto, o Presidente Bolsonaro foi incluído no hall de investigados do inquérito das Fake News, por decisão do Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Desde então, houve um escalonamento das tensões entre os poderes que culminou com o pedido de impeachment de Alexandre de Moraes apresentado pelo Presidente da República.

No dia 10 de setembro, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei (PL) nº 2.108/2021, que revoga a Lei de Segurança Nacional. Houve veto parcial por parte de Jair Bolsonaro, sendo um deles direcionado à punição à disseminação de fake news. Às vésperas das manifestações do feriado de Independência Nacional, foi editada a Medida Provisória (MP) 1.068/2021, que dispunha sobre o uso das redes sociais. Diversos partidos políticos impetraram ações juntamente ao STF pedindo a suspensão da MP. Esta semana, a MP das Fake News, como ficou conhecida, foi devolvida pelo Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM/MG), e suspensa mediante liminar emitida pela Ministra do STF, Rosa Weber.

A Medida Provisória foi publicada já com a descrença de que chegaria a ser apreciada pelo Congresso Nacional. A própria Secretaria de Assuntos Jurídicos (SAJ) da Presidência da República já havia alertado o presidente de que a constitucionalidade da proposta seria questionada. Mesmo com o ar de derrota anunciado, Bolsonaro optou pela publicação em uma tentativa de demonstração de força para sua base, que sairia às ruas no dia 7 de setembro.

A mobilização de partidos e da sociedade civil organizada, tanto no Congresso quanto no STF, foi imediata. Os comentários no Congresso, já no dia seguinte, apontavam para a devolução da MP pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM/MG). Porém, grande parte dos partidos de oposição apresentaram emendas para tentar garantir uma redução de danos, caso a medida prosperasse.

Foram, ao todo, 173 emendas apresentadas, sendo 60% delas (104) apresentadas por partidos de oposição, em um claro movimento de resistência. É importante observar, porém, que não só a oposição propôs alterações, mas também partidos de direita como o NOVO, que foi o terceiro partido com maior número de emendas (19), atrás apenas de PT e PSOL. A Medida conseguiu desagradar gregos e troianos, entidades de defesa da liberdade de expressão, movimentos sociais e, claro, o mercado.

A regulamentação das redes sociais é algo que deve, sim, ser discutido no Brasil e no mundo, como feito no Reino Unido com o Online Harm Bill, um projeto que se baseia no princípio de duty of care ou “dever de cuidar”. A expressão a que o projeto faz referência é o cuidado com a população, principalmente mais jovem, nas redes sociais. Segundo pesquisas da King’s College of London, que emitiu resposta à Consulta pública promovida pelo Department of Digital, Culture, Media and Sport, crianças e jovens são mais suscetíveis a acreditar em teorias da conspiração e calúnias publicadas nas redes. Caso as redes sociais não sejam reguladas, esse impacto deve ser percebido nas eleições de 2022, como já assistimos em 2018.

 

Contexto Político

Quando editou a Medida Provisória às vésperas das manifestações do 7 de setembro, Bolsonaro já estava ciente de que a proposta seria mal recebida pelo Congresso e pelo Supremo. A demora de algumas semanas na derrubada se deveu muito mais a uma cautela das autoridades responsáveis para não gerar novos tumultos do que pela busca de justificativas para tal ação. A expectativa é de que Bolsonaro utilize este episódio para reforçar sua retórica de outsider perseguido pelo sistema.

Esta é a quinta vez desde a redemocratização e a segunda vez no governo Bolsonaro que uma MP é devolvida pelo presidente do Congresso. Bolsonaro é o único que teve duas MPs devolvidas, a última ocorreu em junho do ano passado e tratava sobre a escolha dos reitores das federais. Os outros ex-presidentes que já tiveram MPs devolvidas são: José Sarney (MP 33, que dispensava servidores federais), Lula (MP 446, isenção fiscal para entidades beneficentes de assistência social) e Dilma Rousseff (MP 669, que mudava as alíquotas de desoneração da folha).

Além do ineditismo da situação, um elemento importante é a jogada ensaiada entre o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e o Supremo Tribunal Federal (STF). Em menos de 30 minutos após a devolução da MP por Pacheco, a ministra Rosa Weber suspendeu liminarmente os efeitos da medida, que já vinha sendo debatida em outra ação que se encontrava no Plenário. Outro ator que colocou a cara a tapa nesta situação foi o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, que defendeu a suspensão da MP, em uma das poucas divergências de seu histórico nas pautas de interesse do Palácio do Planalto.

A governabilidade de um Presidente pode ser definida a partir de vários aspectos e uma única variável como a derrubada de MPs não pode ser utilizada para basear conclusões precipitadas. Contudo, o comportamento de Rodrigo Pacheco e dos ministros do STF demonstram que Bolsonaro tem perdido seu poder de barganha e deve pagar mais caro pelas ações não coordenadas com a classe política. Em Brasília, o ano eleitoral já começou e a paciência tende a diminuir se a popularidade de Bolsonaro não aumentar.

 

*Gianluca Benvenutti é Coordenador de Financeiro e Tecnologia da BMJ.

*Isabela de Castro faz parte da equipe de Financeiro e Tecnologia da BMJ.

*Lucas Fernandes é Coordenador de Análise Política da BMJ.