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Entre Biden e Trump: Comércio Internacional, Meio Ambiente e Brasil

Escrito por BMJ Consultores | 06/05/2020 18:14:09

Por Carolina Bermúdez e Mariana Lyrio

As eleições nos Estados Unidos serão disputadas no final de 2020 entre o republicano Donald Trump e o democrata Joe Biden. A nomeação do atual presidente Donald Trump já era esperada, mas a do ex-vice-presidente Biden se tornou definitiva após a desistência do progressista Bernie Sanders.

As pesquisas eleitorais mais recentes (CBS, Economist, USA Today e Fox News) indicam, de forma geral, uma leve vantagem de Biden. Porém, o cenário permanece incerto, principalmente com a propagação da COVID-19. Os noticiários estão dando foco quase que exclusivamente à pandemia, então os candidatos estão enfrentando uma campanha inusitada e não conseguem colocar em evidência os seus planos de governo. Apesar disso, sabemos que a eleição do Trump manteria o status quo, já a de Biden deve trazer algumas mudanças, principalmente no que diz respeito ao comércio internacional, às políticas ambientais e à relação com o Brasil. 

Comércio internacional

Desde o início de seu mandato, Donald Trump criticou a atuação da China, as regras comerciais e a própria Organização Mundial do Comércio (OMC), iniciando uma retaliação unilateral contra aquele país, bem como contra o sistema multilateral de comércio.

Com a eleição de Jair Bolsonaro no Brasil, as relações diplomáticas e comerciais com os Estados Unidos se intensificaram, sendo que a maior parte das promessas feitas pelos chefes de estado foram cumpridas somente pelo lado brasileiro. A título de exemplo, é válido mencionar o aumento da quantidade que poderia ser importada de etanol do país norte-americano com isenção de tarifa, medida adotada em 2019 e que desagradou produtores de etanol do Nordeste brasileiro. A recíproca não foi verdadeira, muito pelo contrário. No ano passado, Trump aumentou as tarifas sobre produtos derivados de alumínio em 10%, o que mais uma vez gerou desgastes internos no governo brasileiro.

Nota-se que o saldo da agenda com os Estados Unidos não tem sido muito positivo, a não ser pela importância do país como parceiro comercial do Brasil. Algo que poderia mudar esse cenário são os avanços nas negociações do acordo comercial entre os países anunciado em abril, que será dividido em duas fases. Diante da pandemia e de seus desdobramentos, no entanto, há grandes chances de que somente a primeira parte, que tratará de áreas de menor conflito como cooperação e facilitação de comércio; seja concluída ainda este ano. Desse modo, além da pressão política naturalmente esperada, dependendo do resultado das eleições de novembro, pode ser que as negociações para a segunda fase sofram uma desaceleração e não sejam atingidos benefícios concretos para o acesso ao mercado americano.

Pensando nisso, os setores privados de ambos os países manifestaram seu apoio ao acordo comercial anunciado. A Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham Brasil), a Confederação Nacional das Indústrias (CNI) e a U.S. Chamber of Commerce enviaram uma carta aos governos pedindo a aceleração das negociações para que fosse concluída ainda neste ano.

O contexto ainda é incerto, tanto porque não se sabe quem será o vencedor, quanto por não se ter certeza sobre o direcionamento que Joe Biden daria à política comercial norte-americana. O candidato democrata pode ser pressionado a manter as tarifas retaliatórias a produtos chineses e a adotar uma postura mais conservadora após a COVID-19, mas em suas propostas divulgadas pelo Council on Foreign Relations, Biden destaca a importância de um ambiente global competitivo, a redução de barreiras comerciais, uma atuação coordenada com a China e a necessidade de os EUA assumirem a liderança na criação de regras comerciais globais.

Biden tem defendido uma retaliação incisiva a países que desobedeçam às normas do comércio internacional – subsídios, regras trabalhistas, propriedade intelectual- mas não é provável que reestabeleça uma guerra tarifária com os chineses. Além disso, mencionou que a resposta na realidade deve ser mais abertura, mais cooperação, mais alianças e não mais isolacionismo, políticas esperadas para a agenda comercial de um democrata.

O candidato à presidência também mencionou o papel essencial das regras comerciais, afirmando que estas devem ser mais bem aplicadas, mas sem mencionar medidas diretamente relacionadas à retaliação à OMC, que permanece com seu Órgão de Apelação inoperante em razão dos embargos de Trump. Ainda, destacou que não assinaria nenhum acordo que não inclua grandes investimentos pela contraparte em empregos, infraestrutura, regras trabalhistas e meio ambiente.

Diante das propostas apresentadas, nota-se que o candidato demonstra uma preocupação maior com temas transversais ao comércio, como regras trabalhistas, meio ambiente e direitos humanos, ao passo que também busca manter o discurso de America First, enaltecendo a capacidade norte-americana em se manter como a potência econômica e tecnológica mundial frente à ascensão da China.

Caso eleito, Biden buscará focar em outros mercados asiáticos com o objetivo de diminuir a dependência dos chineses – tendência que será vista em outros países após a crise - tendo mencionado que pretende se aproximar da Austrália, Indonésia, Japão e Coreia do Sul, o que pode distanciar os Estados Unidos do mercado brasileiro. Ademais, ainda pairam dúvidas sobre o futuro das relações exteriores brasileira e da gestão política e comercial global, as quais também podem causar impacto nas relações comerciais entre Brasil e Estados Unidos.

Questões ambientais

No que diz respeito a questões ambientais, Joe Biden foi inicialmente criticado por candidatos democratas por não dar a devida atenção ao tema e é acusado por ambientalistas de ter uma relação próxima com o setor de combustíveis fósseis. Essa imagem não muito positiva vem sendo trabalhada por sua equipe, principalmente porque a questão climática tornou-se um dos temas prioritários para o eleitor democrata e porque Joe Biden, na realidade, afirma ser um grande defensor destas causas.  Para tanto, o ex-vice-presidente tem se posicionado de forma mais incisiva sobre o tema e já foi endossado pelo político e ambientalista Al Gore, o qual afirmou em seu discurso que Biden pretende tornar a ação climática sua “principal prioridade”.

Vale ressaltar que o projeto climático de Biden é ambicioso. O seu plano de USD$ 1.7 trilhões, intitulado Plan for a Clean Energy Revolution and Environmental Justice pretende zerar as emissões de carbono até 2050 e estabelecer uma "economia de energia 100% limpa”. Os biocombustíveis desempenham um papel importante no plano, denominados como "líquidos do futuro". Outros destaques são a proteção da biodiversidade, a aceleração do desenvolvimento de veículos elétricos e a união com parceiros internacionais para combater as mudanças climáticas. Além disso, Biden afirmou que iria reinserir os Estados Unidos no Acordo de Paris e responsabilizar grandes poluidores ​​por exacerbar a crise climática. Sua agenda climática seria drasticamente divergente da do atual presidente, Donald Trump. 

Trump retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris e, sob o seu comando, a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA) revogou ou enfraqueceu cerca de 100 regulamentações ambientais. Quanto à relação com o Brasil, o líder americano tem uma visão parecida com a do presidente brasileiro Jair Bolsonaro no que diz respeito a temas ambientais. Após os incêndios na Amazônia, Trump declarou que apoia Bolsonaro e que o governo brasileiro estava combatendo os incêndios com “grande sucesso”.

Em contrapartida, é provável que isso mude se Biden vencer. O candidato democrata declarou que, se for eleito, tomará medidas juntamente à comunidade internacional se o Brasil não for capaz de proteger a floresta amazônica. Ademais, afirmou que criaria um fundo de US$ 20 bilhões para segurar a proteção da Amazônia e evitar incêndios na região. Por fim, declarou que qualquer acordo comercial precisa priorizar a criação de empregos nos Estados Unidos e garantir que as preocupações trabalhistas e ambientais "sejam partes essenciais da negociação". Como os Estados Unidos são um parceiro comercial importante do Brasil, se Biden for eleito, é possível que o governo brasileiro tenha que realizar algumas mudanças em suas políticas para demonstrar o seu comprometimento com a preservação ambiental e com o combate às mudanças climáticas.  

 O que esperar?

Ainda há dúvidas acerca de como se darão as eleições americanas em novembro de 2020.  Com a crise da COVID-19, os governos tiveram de reprogramar seus calendários e já se discute a possibilidade de realizar as eleições por correio. Ademais, a pandemia exigirá um esforço maior do atual presidente em coordenar medidas de saúde, infraestrutura e economia, oportunidade que Trump provavelmente utilizará para manter sua base eleitoral. Enquanto isso, Joe Biden empregará seus esforços em captar a parcela mais progressista de seu partido, bem como da população, em busca de ocupar a Casa Branca em 2021. O candidato já esclareceu por meio de suas propostas que as pautas comercial e ambiental estarão intimamente ligadas caso assuma o mandato, o que definitivamente deve alertar o Brasil. 

Por fim, a tão esperada acessão à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), apresentada como uma das prioridades da agenda internacional de Bolsonaro, pode ter seu processo desacelerado ainda que conte com um improvável apoio de Biden. O Brasil atualmente carece de impulso e espaço político para introduzir reformas importantes na agenda doméstica para antigir as boas práticas regulatórias e de desenvolvimento necessárias e, assim, mesmo com Trump reeleito, são pequenas as chances de que, no curto ou médio prazo, o governo brasileiro alcance seu lugar na Organização.