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Eleições 2024: O Papel das Redes Sociais no Processo Eleitoral

Escrito por BMJ Consultores | 02/10/2024 12:04:48

Por Jales Caur*

 

Com a aproximação das eleições de 2024, as redes sociais se tornam o campo de batalha crucial para a conquista dos eleitores.

 

Com o advento das redes sociais, antes usadas para o lazer, foi atribuído a essas plataformas a função de transmitir informações e dialogar com grupos de interesses semelhantes, criando bolhas de engajamento a determinados discursos e narrativas. A prática política transforma o comportamento desses nichos por meio da rápida transmissão de informações e do fácil recorte de interesse — facilitado pelo formato limitador dessa transmissão. Dessa forma, a propagação de discursos políticos e partidários se tornou instantânea e de forma direta entre o transmissor e o receptor dessas narrativas. 

Na última década, há registros de episódios marcantes da transformação do processo político nas sociedades ocidentais pois influenciaram juntamente o processo participativo de democracias representativas. Os exemplos mais marcantes na perspectiva brasileira foi a eleição presidencial de Donald Trump pelos Republicanos à presidência dos Estados Unidos em 2016 — processo que também foi marcado pelo escândalo da Cambridge Analytica, que comprovadamente usou das redes sociais para alterar os resultados das eleições — e de Jair Bolsonaro pelo, até então, PSL no Brasil em 2018. Houve, também, grande influência das redes sociais na União Europeia, principalmente nas votações para o bloco. No entanto, com menor impacto devido à sua própria neutralização.  

O que difere entre esses processos e quais são os seus impactos para o processo eleitoral dos países? Antes, se faz necessário entender a função que a internet possui no processo participativo. 

 

O Papel das Redes Sociais nas Campanhas Eleitorais 

Como mencionado, as redes sociais se tornaram um facilitador no processo de comunicação. Seja pelo tempo de transmissão e o amplo alcance, ou como simplificadores orçamentários em campanhas eleitorais, as redes sociais se tornaram veículos oficiais de discurso e fontes primárias de informações diretamente dos candidatos. O uso também foi incentivado pela forma de evitar as fake news — notícias falsas que comumente surgem sobre temas de grande interesse do público e são rapidamente espalhadas entre meios de comunicação em massa — transmitidas pela mídia tradicional, como jornais e emissoras de televisão. As redes sociais são consolidadas, portanto, como uma ferramenta fundamental do processo político e participativo. 

Narrativas, discursos e informações são controlados pelo emissor, sem crivo avaliativo de conteúdo, somente de impacto e engajamento. Logo, as redes se tornaram ferramentas políticas que criam um cenário dicotômico entre diversas ideias evocadas por campanhas políticas e usa dos nichos estabelecidos nas fases iniciais da organização do ambiente digital para engajamento de temas. Nesse momento, as pautas eleitorais discutidas na internet ganham padrões macro, com discussões de ideias e projetos ideológicos ao invés de projetos políticos e de gestão. A partir dessa simplificação do processo de engajamento eleitoral, inocula-se binaridades políticas que favorecem as partes participantes do processo. 

Isso facilita a capitalização do processo eleitoral por bolhas ideológicas nas redes sociais, já que polariza as discussões e torna elementos como a manipulação de informação para favorecimento de determinadas ideologias e grupos, as principais ferramentas de trabalho em campanhas eleitorais — já não necessariamente ligadas a comitês centrados em candidatos e partidos. Muito se conhece o termo e a aplicação de fake news. No entanto, é importante entender o processo ativo das notícias falsas: a desinformação. 

 

Fake News e Desinformação: O Lado Sombrio das Redes 

Enquanto o fenômeno das fake news pode acontecer involuntariamente e sem compreensão do ato por pessoas que desconheçam determinado assunto, a desinformação atribui caráter ativo a quem fabrica a informação falsa e a compartilha. Palavra do ano pelo dicionário inglês Collins, fake news se tornou uma expressão amplamente utilizada em campanhas eleitorais para, também, rotular notícias contrárias feitas a candidatos que representem determinados grupos. O termo ganhou popularidade por Donald Trump, que atribuía todas as notícias negativas à sua pessoa e ao seu governo como falsas. 

A desinformação acabou por se tornar uma estratégia para além do deliberado pelos marketeiros das campanhas eleitorais, o que serve tanto positivamente quanto negativamente às campanhas. O impacto positivo sempre surge com ataques a adversários, principalmente no que tange ao campo ideológico e afiliações — questões mais complexas de se afastar, caso necessário. O impacto negativo se dá quando o candidato em questão é o destaque da desinformação. Entretanto, o candidato não é o único prejudicado. Os veículos informacionais tradicionais sofrem com constante perda de credibilidade pela prática da desinformação de determinados grupos, atribuindo-os a interesses ideológicos específicos, logo corrompendo a confiança no processo de informar. Isso acaba enfraquecendo o processo representativo como um todo. 

Atualmente, com a construção do consumo de conteúdos se dando mais por algoritmos de recomendação do que pelo que se ativamente segue, criam-se bolhas ideológicas que provocam maior retenção do usuário no aplicativo. Com a organização desses nichos em grupos, as ações de desinformar via redes sociais se tornou praxe, levando as autoridades a terem de lidar de uma nova forma com as notícias falsas. Durante as principais eleições para a política brasileira entre 2015 e 2018, foi observada a tentativa das redes sociais em apontar checagens da informação em caso de desencontro com a realidade. Com o avanço 2020 com a eleição presidencial nos EUA e a pandemia da COVID-19, ações mais específicas para conter a prática da desinformação precisaram ser feitas, esbarrando em questões como a liberdade de expressão. No Brasil, isso culminou com os episódios do dia 8 de janeiro de 2023 na Praça dos Três Poderes, e da tentativa de uma maior legislação em torno das redes sociais. Como consequência da questão sobre liberdade de expressão absoluta em redes sociais, o ministro do Superior Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, solicitou o bloqueio da rede social X (antigo Twitter) no Brasil após o não cumprimento do pedido de remoção de publicações com discursos de ódio e da suspensão de perfis, e a retirada do representante legal da empresa do país. 

Isso faz com que os países ajam em regulamentações mais severas para a divulgação de determinadas informações nas redes sociais. Na União Europeia, a criação da General Data Protection Regulation (GDPR) resultou na inspiração para a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no Brasil. Essa aproximação dos países europeus e do Brasil com as próprias redes sociais em prol de uma maior ação interna das próprias redes no combate à desinformação também pode ser notada nos últimos pleitos — postura que resultou na suspensão do X no Brasil pela posição de Elon Musk, atual dono da empresa, quanto à liberdade de expressão. Nos Estados Unidos, o fundamento da liberdade de expressão acaba sendo um motim mais forte, tornando o combate às notícias falsas uma espécie de apelo governamental junto à população do que legislações na prática. 

No Brasil, o projeto de lei 2630/2020, conhecido como “PL das Fake News”, que pretende instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet; ganhou atenção por retornar à pauta em 2023. Sob grande influência das eleições presidenciais de 2022 e do episódio do dia 8 de janeiro, muitos parlamentares e atores da sociedade civil se posicionaram contra, nomeando-a de “PL da censura”. Parte desse clamor também vem de grupos organizados para a liberdade de atuação de jornalistas e da ampla divulgação de notícias sem interferência governamental.  

Em análise de 32 legislações sobre o tema, o Center for News, Technology and Innovation (CNTI) identificou que somente sete contavam com uma definição explicita sobre o que considerariam como fake news e/ou desinformação, e somente duas contavam com uma definição explícita de conteúdo jornalístico. Entre os 32 países de origem, foram identificados que 19 possuem tendências autoritárias, implicando ainda mais nesse posicionamento contrário. O cenário com a regulamentação da mídia se torna incerto, uma vez que determinadas legislações implicarão em determinadas limitações que não se há histórico para análise de cenários a longo prazo — ao mesmo tempo que a não supervisão poderá provocar impactos graves às instituições. 

A questão da suspensão do X no Brasil repercutiu o mundo inteiro, principalmente considerando as eleições para o Parlamento Europeu no primeiro semestre do ano — que contou com diversas medidas legais e estratégicas, juntamente a empresas como o TikTok, de combate às notícias falsas e à desinformação — e com as eleições presidenciais dos Estados Unidos, que acontecerão no dia 5 de novembro de 2024. Podemos questionar, então, qual é o impacto global das redes sociais em processos eleitorais? 

 

Impacto Global das Redes Sociais nas Eleições 

Nas redes sociais, grupos se influenciam direta e indiretamente na forma como interagem entre si, seja culturalmente, seja politicamente. Isso, associado com a transformação e a capitalização das redes sociais, fez com que fosse possível observar uma guinada na organização de grupos mais conservadores junto com o fortalecimento que a direita e a extrema-direita tiveram na Europa e nas Américas entre 2014 e 2021 — com todas as considerações das questões políticas, econômicas e culturais do mundo ocidental que contribuíram para esse cenário. Essa organização global permitiu com que ideias fossem rapidamente disseminadas sem custo humano e financeiro adicional, e de um alinhamento de determinadas pautas contrárias a alguns grupos — principalmente minorias políticas. 

Correntes de pensamento provenientes de países desenvolvidos tendem a se sobressair, uma vez que determinadas ideias permitirão a consolidação de conjunturas políticas, econômicas e culturais de interesses dessas sociedades. A exemplo, o fortalecimento da narrativa contrária à China e ao expansionismo econômico do país provoca que negócios feitos com potências ocidentais sejam mais bem recebidos pela sociedade, principalmente em países latino-americanos. A partir disso, a inclinação da opinião pública a valores de determinados eixos culturais permite com que candidatos ajustem os seus discursos e, assim, o seu público-alvo durante campanhas eleitorais ao redor do mundo. 

Os eventos eleitorais após a eleição de Donald Trump em 2016 permitem visualizar como essa influência se dá. Uma vez que o método de campanha ortodoxo do ex-presidente americano rendeu sua eleição, as redes sociais se consolidaram como meio de comunicação em massa e, acima de tudo, uma ferramenta gratuita de autopromoção. Candidatos usaram de diferentes estratégias em diversos meios de comunicação para lograr o pleito eleitoral, possibilitando que até mesmo figuras fora da política ganhassem espaço por tratar o assunto de maneira mais dinâmica — como o caso de Volodymir Zelensky, presidente da Ucrânia e ex-humorista.  

É importante ressaltar que essas práticas não necessariamente possuem endosso ou financiamento estatal. A própria pauta do financiamento ainda é opaca em relação aos principais atores, uma vez que a ação e a organização desses grupos em larga escala são feitas de forma sutil. O uso de perfis automatizados (conhecidos como bots) é uma das táticas que permite o anonimato de quem organiza determinadas ações nas redes. 

 

O Futuro das Eleições em um Mundo Digital 

Nas últimas eleições ao Parlamento Europeu, diversos candidatos utilizaram o TikTok para provocar engajamento na juventude e angariar votos dos novos eleitores. Nos Estados Unidos, mesmo com ameaças de banimento, a rede social está sendo mantida, coincidindo com o período eleitoral — com Donald Trump criando um perfil no TikTok mesmo com a sua posição veemente contrária à empresa e a produtos de origem chinesa. Nos EUA também há um forte comportamento de anúncios pagos e monitoramento de tráfego de interesse como apoio para a campanha política e reputação do candidato. Já no Brasil, o alcance de plataformas como o WhatsApp e o YouTube, associadas com o baixo conhecimento técnico tecnológico da população, tornam essas ferramentas de mais fácil acesso e os veículos ideias para a comunicação em massa. 

Com a amplitude do uso de informações como instrumentos políticas, as eleições precisarão se adequar mais às novas formas de verdade — conceitos que ganharam forma no campo de análise desses fenômenos, com conceitos como “pós-verdade” ganhando força. O processo eleitoral deverá se adaptar a essas estratégias como parte do desenho de marketing político de cada pleito. Da mesma forma que entidades regulamentadoras, estatais ou não, também deverão seguir no mesmo sentido, quando oportuno.  

Com a amplificação do acesso e a melhor calibragem de algoritmos, a desinformação se transformará para atingir o seu processo. O uso de inteligência artificial na emulação de voz e na manipulação de imagens e vídeos já se tornou um recurso difundido nas redes sociais, sendo a ferramenta da vez para a produção de conteúdos rápidos e de maneira pouco onerosa. No entanto, também são localizadas o uso desses recursos para fins políticos diretos ou indiretos — alguns se dão por meio de publicações voltadas para o humor, mas que transmitem uma mensagem favorável ou contra determinada ideologia com a voz e/ou imagem do porta-voz abraçado por determinado nicho ideológico nas redes sociais. 

Portanto, o cenário para as diversas eleições que acontecerão em 2024 ao redor do mundo está formado. No Brasil, as eleições municipais permitem visualizar a consolidação definitiva das redes sociais como estratégias de campanha nas principais capitais. Pablo Marçal (PRTB) se destaca com sua ampla base construída com seus conteúdos empreendedores — assim como Guilherme Boulos (PSOL) e Tabata Amaral (PSB) também ganham destaque pelas suas denúncias e com maior organização do seu público-alvo on-line. As redes também permitem que outros candidatos possuam alcance a nível nacional, como o caso do Eduardo Paes (PSD/RJ), prefeito da cidade do Rio de Janeiro, e João Campos (PSB/PE), prefeito de Recife. No âmbito internacional, Donald Trump tem utilizado de declarações mais polêmicas como estratégia de campanha, assim como imagens de apoio geradas por inteligência artificial para reforçar o endosso popular à sua candidatura contra a democrata Kamala Harris.  

 

*Jales Caur é Consultor do BMJ Digital