Por Ana Luisa Capparelli e Andressa Canela
A atividade externa de governos estaduais e municipais tem se destacado cada vez mais na pauta política e na agenda de autoridades governamentais brasileiras. A paradiplomacia se refere à ação externa de entes subnacionais na promoção de interesses locais específicos. A definição engloba a atividade de regiões, estados, municípios e cidades. Tendo em vista que no país esses atores são mistos, ou seja, dotados da combinação de soberania e autonomia, o contato internacional é cada vez mais fluido e frequente.
Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, cresce o intercâmbio tecnológico e cultural das cidades. O mundo passa por uma série de mudanças científicas, industriais, digitais e, da globalização, emergem novos atores nas Relações Internacionais. No Brasil, o movimento ganhou expressão na década de 1980, quando o país vivia a redemocratização pós-ditadura e a criação da Constituição de 1988. No cenário mundial de liberalização política e econômica, o Brasil acompanhava os processos de descentralização, fortalecidos, mais tarde, pela criação do Mercosul.
A dinâmica dos megaeventos também traz uma maior projeção para a atuação estadual e, após sediar a ECO 92 - a primeira conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento - o Rio de Janeiro cria uma das primeiras Secretarias de Relações Internacionais. No mesmo período, os estados do Rio Grande do Sul e São Paulo acompanham essa transformação e estruturam órgãos com o mesmo intuito. Nesse contexto, os estados do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro, e o município de Porto Alegre foram os pioneiros na paradiplomacia por meio da constituição de estruturas próprias de negociação internacional. Vale notar que o período da criação das Secretarias não se deu à toa: o fato de ter sido impulsionado após a ECO 92 demonstra que, quanto maior a relação entre os países, proveniente da globalização, maior o foco de iniciativas internacionais em âmbito estadual e municipal.
No Brasil, não há uma legislação específica que trate de paradiplomacia. A Constituição Federal prevê que compete à União manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais (Art. 21, I), bem como é privativo a ela legislar sobre o comércio exterior e interestaduais (Art. 22, VIII). Cabe ao Congresso Nacional deliberar sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional (Art. 49, I). Portanto, excluídas as prerrogativas de alta política, os entes subnacionais têm espaço para, em busca do desenvolvimento local, buscarem, no exterior, a promoção econômica e a cooperação política e técnica. A Constituição é ampla nesse sentido, estados e municípios podem legislar para atender interesses locais e suas peculiaridades, inexistindo normas contrárias na lei federal (Art. 24, XVI, § 3º; Art. 30, I).
Hoje, no Brasil, há 475 Secretarias estaduais. Apenas seis estados dão status de Secretaria ao tema de política internacional: Amazonas, Bahia, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. Nos demais, a competência fica a cargo de Secretarias de Desenvolvimento Econômico, Ciência & Tecnologia, Turismo, entre outros.
À frente das pastas de Relações Internacionais, também observamos secretários com conhecimentos técnicos diversos e carreiras essencialmente políticas. Portanto, apesar da qualificação dos profissionais que ocupam as cadeiras das Secretarias, suas formações não tangem a essência internacionalista ou de comércio exterior e a baixa concentração de profissionais com essa formação pode interferir na dinâmica e efetividade dos projetos.
Indo além, na maior parte dos estados, a ausência de planejamento e órgão específico para a política externa indica que os projetos internacionais firmados são conduzidos por órgãos separados, fator que evidencia a descentralização das atividades internacionais. Com isso, o governo do estado passa a ter uma postura reativa com relação às demandas externas, ao invés de buscar parcerias e promover a agenda estrategicamente e de forma constante.
Vale notar que o nível econômico e industrial da região influi na capacidade paradiplomática e de protagonismo internacional do ente subnacional. Estados com mais recursos, e mais desenvolvidos, acabam criando pontes mais fáceis com o mundo internacional e são procurados por outros atores externos - como modelos de inspiração. Há uma projeção mais orgânica e natural. Tais pontes são impulsionadas pela existência de secretarias internacionais - organização das atividades locais - para que transbordem de forma fluida para o exterior.
Duas grandes áreas têm exemplos recentes de paradiplomacia no Brasil: saúde e meio ambiente. Acompanhamos, no último ano, governadores que atuaram na negociação de insumos e vacinas diretamente com a China, formaram uma Coalizão pelo Clima e viajaram à Europa em busca de recursos por meio do Consórcio Nordeste. Nota-se também, que em períodos de atrito entre a esfera federal e as esferas estaduais, as atividades paradiplomáticas aumentam, representando uma maior autonomia perante o Sistema Internacional, independente do País em que se localizam.
É passível de se analisar que há uma tendência de continuidade do protagonismo de governos estaduais e municipais na política internacional, com ativismo expressivo e estrutura institucional diferenciada. Indo além, cada vez mais é necessário ter órgãos específicos para a tratativa paradiplomática, uma vez que, sendo os esforços centralizados, a assimetria passa a ser mais tênue se comparada a outras pastas. É importante observar ainda essa previsão de pauta nos planos de governo de candidatos às Eleições de 2022. Conclusivamente, a relação distante com o governo federal, devido à descentralização dos esforços estaduais, expõe a necessidade de mais recursos e parceria da esfera nacional com os entes subnacionais.
*Andressa Canela é Gerente de Relações Governamentais da BMJ Consultores Associados.
*Ana Luisa Capparelli é consultora da Coordenadoria de Estados & Municípios da BMJ Consultores Associados.