A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2020, aprovada como Lei nº 13.957 em 11 de novembro de 2019, foi responsável por ressuscitar a prática das “emendas de relator”, que deixa nas mãos do relator-geral o poder de escolha sobre a destinação de recursos dentro do orçamento.
Esses recursos são utilizados como moeda de troca durante a votação de medidas importantes a fim de assegurar os votos necessários para os stakeholders que controlam o orçamento. Sem transparência, a imprensa passou a chamar esse processo de “orçamento secreto” ou “orçamento paralelo”.
Dinheiro e poder.
As discussões em torno do orçamento público crescem cada vez mais, principalmente com a chegada das eleições gerais de 2022. Um trunfo dos políticos que exercem algum cargo público é sua influência – ou seu capital político – juntamente a tomadores de decisões. Apoiadores são beneficiados e opositores não possuem acesso às negociações.
Esse é o centro das discussões que tomaram conta dos debates políticos e constitucionais recentemente. Seria legal permitir que o orçamento público seja usado como moeda de troca nas deliberações de projetos prioritários e para a eleição de cargos das Mesas Diretoras? Seria constitucional distribuir de forma pessoal e desigual os recursos públicos?
A Constituição Federal nos mostra um caminho para elucidar esse problema. O caput do artigo 37, por exemplo, estabelece os princípios norteadores da Administração Pública.
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...) [g.n.]
Após a decisão inicial do Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente Jair Bolsonaro editou o decreto 10.888 de 2021, nesta última quinta-feira (9). O decreto é uma tentativa de apaziguar as discussões e buscar um entendimento comum acerca da transparência e legalidade dessas emendas. Na semana passada, o Congresso Nacional também aprovou uma resolução sobre o tema, na qual assegura um grau de transparência e procedimentos para as emendas do relator. A resolução estabelece um teto para elas e prevê a divulgação na internet, mas sem especificação do nome do parlamentar.
Nesse sentido, por mais que a vontade dos parlamentares seja de manter o status quo com a aprovação a Resolução do Congresso Nacional n° 2 de 2021 e edição do Decreto 10.888, o fato é que na prática, esse processo ainda fere a Constituição e obstrui o processo democrático.
Embora o Congresso e o Executivo afirmem que as medidas atendem completamente a decisão do STF, muitos parlamentares questionaram a questão da transparência, uma vez que o nome do parlamentar não será divulgado, apenas do autor da emenda. Nesse caso, todas elas sempre estarão assinadas pelo relator-geral do Orçamento.
O relatório parece seguir o pensamento presente na Nota Técnica 63/201 da Câmara dos Deputados[1], onde os consultores apontam que os princípios de publicidade e transparência são cumpridos por meio da autorização e aprovação das emendas pela Comissão Mista de Orçamento (CMO). Além disso, essas emendas seriam publicadas na página da comissão e no relatório final com os fundamentos técnicos. No entanto, essa busca por uma solução rápida apenas desvia da questão principal: a falta de transparência e de impessoalidade nos acordos anteriores à apresentação das emendas.
Conforme destacado na Nota Técnica 152/2021 do Senado Federal, o Supremo está em busca da divulgação de
“quem pediu, quem intercedeu junto ao órgão executor ou até mesmo ao relator-geral, para que um dado recurso fosse carreado a um dado beneficiário. Não pede o Judiciário para divulgar as emendas, seus autores formais (que, formalmente, são um só, o relator-geral), a sua escrituração nos sistemas financeiros: tudo isso já existe em relação a todo o orçamento. Alegar que é essa a exigência judicial seria atribuir ao Pretório Excelso uma ingenuidade e um desconhecimento da realidade que chegariam a desmerecer a instituição: a decisão não fala de execução da emenda, mas do processo decisório antes da alocação do recurso, das “demandas que embasaram a distribuição do recurso”, das “solicitações/pedidos de distribuição de emendas”[2]
Sem essas informações é impossível entender a motivação por trás da aprovação de cada proposta que passa pelos plenários do Congresso Nacional. Além disso, a oposição e seus eleitores acabam prejudicados tanto em seu capital político na hora do debate, em que os acordos envolvendo as quantias já foram realizados, como nos recursos para seus municípios. Dessa forma, é possível observar que essa prática não só fere os princípios constitucionais como também atinge a democracia, assegurando na mão de poucos o acesso aos recursos. A política deixa o debate de ideias de lado e abre espaço para a oferta e demanda do mercado eleitoreiro.
[1] GREGGIANIN, Eugênio et al. (2021). Nota Técnica nº 63/2021 - EMENDAS DE RELATOR – SUBSÍDIOS QUANTO AOS ASPECTOS ORÇAMENTÁRIOS (Versão Preliminar). Câmara dos Deputados. Disponível em: < https://www2.camara.leg.br/orcamento-da-uniao/estudos/2021/nota-tecnica-63-de-2021_-emendas-de-relator_-subsidios-aspectos-orcamentarios-_-versao-preliminar>Acesso em: 02 de dezembro de 2021
[2] BITTENCOURT, Fernando (2021). Nota Técnica 152/2021 - PRN 4/2021 e Ato anexo – compatibilidade com decisão do STF na ADPF 854. Senado Federal (p. 4-5)