Por Jales Caur e Larissa Lima*
Após meses de tratativas e ações judiciais, o processo de compra pelo empresário Elon Musk do Twitter, rede social classificada como micro blog, foi concluída, tornando-o o acionista majoritário da companhia. Elon Musk possui muitos negócios no ramo de tecnologia, e a aquisição de uma rede social já consolidada foi vista como surpresa pelos usuários. Musk, que sempre defendeu e promoveu pauta relacionadas à liberdade de expressão, afirmou que esse será o norte de sua gestão e tornou essa aquisição em um tópico relevante no debate público em decorrência do uso político que a rede social adquiriu nos últimos anos, especialmente após a eleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos em 2016.
As primeiras medidas como maior acionista começaram internamente, com demissões em massa e renovação de algumas políticas de funcionamento. Destaca-se a dissolução da equipe responsável pelo monitoramento do discurso de ódio na rede social. A ideia de “discurso de ódio” é tida como um limitador na forma de expressão. Logo, a ação de dissolver tal equipe reforça o compromisso de defesa à liberdade de expressão de Musk. Essa narrativa vem sendo trabalhada em nova abordagem do perfil do empresário na rede, com mensagens mais direcionadas ao seu público apoiador e maior interação com figuras da direita e extrema direita, principalmente dos Estados Unidos.
Figura 1. Números do perfil de Elon Musk no Twitter até 05 de dezembro de 2022.
Trump sempre foi uma das principais figuras por trás dessa narrativa de liberdade de expressão. Após dias comentando sobre o ex-presidente, que foi banido da rede social após ser acusado de usar o Twitter para incitar seus apoiadores a invadirem o Capitólio em 2021 após não ser reeleito, Musk abriu uma enquete para consultar os usuários sobre o retorno ou não de Trump à rede. A enquete, aberta por 24 horas, retornou um resultado positivo após recolher 15 milhões de votos (de forma aleatória, mas viciada por alcançar nicho de audiência do Musk) e o perfil de Trump foi reaberto. O retorno de perfis suspensos também aconteceu com diversas outras personalidades públicas.
O retorno de Trump à plataforma marca o início da agenda de enfrentamento aos chamados “excessos do politicamente correto” e “cultura de cancelamentos” que Musk defende. Essa investida em prol da liberdade de expressão gerou desconforto financeiro e político em um primeiro momento. Figuras com público relevante na plataforma anunciaram a saída da rede social e grupos de ativistas pressionaram empresas a deixar de anunciar na plataforma, porém muitas já retornaram total ou parcialmente como a Apple e a Amazon.
Uma vez que os riscos financeiros para a companhia dependam de outras variáveis, o risco político que essa nova fase da rede social representa para sociedades é algo a ser sinalizado. Dentre as sociedades que mais podem ser afetadas, o Brasil é o que mais gera preocupações, uma vez considerada a onda de protestos que contestam os resultados das eleições deste ano que continua a ganhar força. Diversos apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) e demais simpatizantes compõem a audiência de Musk e usam de seu nome para engajarem as supostas denúncias de fraude eleitoral.
Impactos no Brasil
Após a derrota de Jair Bolsonaro no 2º turno das eleições, a narrativa crescente de fraude no sistema eleitoral ganhou força nas ruas com a mobilização de caminhoneiros no bloqueio de rodovias pelo país. Tais movimentos evoluíram para protestos com demais civis, idas a quarteis militares e solicitações de intervenção das Forças Armadas nas instituições brasileiras a fim de anularem as eleições — que deu vitória a Lula (PT) com pouco mais de 2 milhões de votos a mais que Bolsonaro. Esses movimentos tiveram nas redes sociais e nos aplicativos de mensagem um lugar ideal para se organizarem, principalmente o Twitter por permitir uma comunicação rápida e divulgação orgânica dos temas por meio dos trending topics.
Figura 2. Nuvem de palavras com as principais contas que comentaram “Brasil” e “Elon Musk” na mesma publicação. É possível perceber algumas palavras que sempre se repetem, como ABIN, ARQUIVO e CENSURAR.
Um dos principais combustíveis que alimentaram esses protestos foram as notícias falsas e a desinformação. Isso levou os manifestantes a acreditarem em diversas alegações de intervenção militar, de alguma ação antidemocrática por parte de Bolsonaro — que se tornou inativo nas redes sociais se comparado com o seu perfil antes do 2º turno — e, até mesmo, na prisão de ministros da Justiça. Essas notícias se espalharam de forma rápida e sem controle por se retroalimentarem dentro dos seus nichos focais.
No momento que uma rede social do tamanho e influência do Twitter adota percepção mais abrangente de liberdade de discurso, coloca-se um holofote sobre como essa nova dinâmica irá afetar a percepção da opinião pública de diversos países, principalmente países como o Brasil. O acesso da internet se expande sem o aprendizado de ferramenta, principalmente no aspecto geracional dos usuários. Dessa forma, há uma parcela da população que não consegue distinguir notícias falsas de verdadeiras, e um grupo disposto a se utilizar dessa fragilidade para se criar um senso de coletividade e identificação com uma ideia deturpada da realidade.
Uma vez que o Twitter se abstenha em monitorar atividades desse nicho em nome da liberdade de expressão, a volatilidade de crises políticas aumenta. Essa instabilidade causaria um risco para a sociedade civil, para as instituições e, principalmente, para a economia. As paralizações, embora não tão engajadas como em 2018, representaram um grande risco para o setor logístico e de abastecimento.
Pessoas ligadas à essa narrativa de fraude eleitoral começaram a marcar Elon Musk em postagens a fim de denunciarem a suposta fraude, provocando uma resposta de Musk e o questionamento de como tais alegações de fraudes podem ser comprovadas. Nas respostas dessas publicações, diversos brasileiros alegam estar sendo censurados após terem contas e publicações denunciadas por violarem as regras da plataforma. Links de portais associados à direita e à extrema direita estarem sendo classificados como inseguros também foi respondido pelo empresário como um item de sua lista para averiguação.
Em prol da liberdade de expressão, Musk afirma que o Twitter será as notícias de código aberto — em referência às programações construídas em comunidade pelos usuários e contrária à mídia tradicional. Isso estaria aliado ao fato de que uma plataforma de rápida comunicação serviria de prevenção para o uso indevido da informação de maneira enganosa. No entanto, reafirma a redução na regulamentação do conteúdo compartilhado na rede.
Estudos apresentam entendimento de como a ideia e a percepção do que é real afeta e altera o que de fato é real, levando a um perigo iminente de proteção das instituições e, consequentemente, da economia. Um exemplo disso é a quantidade de usuários brasileiros marcando o perfil de Elon Musk na plataforma em publicações com pedidos de ajuda contra a fraude nas eleições, como uma forma de dar voz às acusações de censura. Registram-se cerca de 1.6 milhão de interações durante 1° de novembro e 5 de dezembro em publicações associando o nome de Elon Musk e o Brasil, conforme apresentado no gráfico abaixo:
Gráfico 1. Gráfico mostra o número de engajamento correlacionando Elon Musk com o Brasil. Observa-se um aumento exponencial no volume de interação.
Houve três linhas narrativas predominantes em torno do nome de Musk em publicações feitas em língua portuguesa registrando mais de 2.5 milhões de interações em 100 mil publicações feitas entre 20 de novembro e 5 de dezembro (espaço temporal delimitado pela API). Dentre essas linhas, concentrou-se um grande volume de comentadores apresentando denúncias à suposta fraude eleitoral e às decisões abusivas do Poder Judiciário. Um dos grupos foi dedicado exclusivamente a interagir com figuras de peso dentre a base aliada de Bolsonaro, o que inclui menções aos perfis oficiais das Forças Armadas.
Figuras 3 e 4. Nuvem de palavras da linha narrativa que denuncia fraude nas eleições e liberdade de expressão. Nota-se o nome do jornalista australiano Avi Yemini, da Rebel News AU, em destaque. Esse veículo é famoso pelo posicionamento de busca pela verdade não contada pela mídia tradicional.
Regulamentação das redes sociais
Toda essa questão fez com que diversos jornais, portais de notícias e instituições comentassem sobre a regulamentação das redes sociais. O Brasil possui muitos episódios de bloqueio de aplicativos de mensagem instantânea por ordem judicial, e até mesmo diálogos com os representantes das principais, como Telegram e WhatsApp, para combaterem a desinformação. No entanto, as notícias falsas, em sua grande quantidade e subjetividade, continuam tendo vazão dentro dessas plataformas. Essa discussão acaba afetando outras redes sociais, como o conglomerado Meta, de Mark Zuckerberg (Facebook e Instagram, para além do WhatsApp).
Em resposta à questão da liberdade, o Comissário Europeu para o Mercado Interno, Thierry Breton, publicou em sua conta que o Twitter terá que agir de acordo com as regulamentações da União Europeia — conhecida por uma regulamentação rígida da internet e da privacidade dos usuários. Sete senadores dos Estados Unidos também manifestaram preocupação à Comissão Federal de Comércio perante os rumos aos quais a rede social poderá seguir, principalmente após o episódio do Capitólio. No Brasil, tais ações se restringem à suspensão de perfis por parte do Poder Judiciário — uma vez que a possibilidade de regulamentação da internet e das redes sociais não é bem recebida pela opinião pública.
Essas discussões acabam por abastecer a narrativa de Musk em tornar o Twitter um espaço livre para a expressão. Em resposta aos ataques, ele garantiu que, embora a rede adote a liberdade de expressão, ela não compactua com a “liberdade de alcance”. Uma das principais questões levantadas foi a receita dos anunciantes (maior renda do Twitter) ser associada a esses discursos. Musk alega que tais publicações serão desmonetizadas e não contarão com o algoritmo de engajamento das redes. Embora soe como uma boa solução, tal medida ainda precisa se provar eficaz, uma vez que tais mensagens são capazes de furar nichos e permanecer em subgrupos. Ele alega, também, que essas atividades só serão aplicadas à publicação, e não ao perfil.
Por que isso importa?
Embora não seja uma preocupação em primeiro momento, o novo formato que o Twitter adquirirá nos próximos meses merece atenção. Para além do engajamento dos cenários pessimistas frente aos otimistas em relação às novas políticas, o impacto na receita final, que provém em grande parte dos anunciantes, também freia decisões mais drásticas por parte de Musk. Ainda assim, cabe averiguar o quanto as novas políticas de uso do Twitter podem impactar em risco político para as democracias pelo mundo. Uma vez que o combate à desinformação seja desidratado em prol da liberdade de expressão, há a possibilidade de que grupos radicais se utilizem dessa fragilidade para dar seguimento à divulgação de pautas e causas que podem ser danosas ao debate público.
No caso do Brasil, Musk engajou em publicações que mencionam as acusações de fraude eleitoral, sendo que o último com maior engajamento foi feito no dia 3 de dezembro de 2022. Para além do questionamento, há a pressuposição de que a rede social teria ajudado candidatos de esquerda. Porém, vale ressaltar que o Twitter não é a maior rede social no Brasil e seu alcance não abarca a maior parte da população , tendo pouco mais de 19 milhões de usuários. No que tange ao engajamento, “Instagram” é a rede que mais engaja, contabilizando mais de 119 milhões de usuários, seguida pelo “Facebook”, com 116 milhões.
Por fim, vale ressaltar que o próximo presidente, Lula da Silva (PT), terá como um dos principais desafios a sua presença nas redes sociais. Seus opositores são organizados e articulados nas redes sociais, seja organicamente ou não. Embora o engajamento no Twitter não seja tão alto em comparação com as demais, não deixa de ser relevante; e Lula terá um desafio que não era presente em suas gestões anteriores para mediar a oposição digital deixada por Bolsonaro.
*Jales Caur é estagiário de BMJ Digital, núcleo da BMJ Consultores Associados.
*Larissa Lima é consultora de Estados & Municípios da BMJ Consultores Associados e do BMJ Digital.