Por Thaís Cardoso*
A candidatura coletiva é um modelo de mandato que é exercido por um grupo de pessoas de modo compartilhado e propõe um constante diálogo com a sociedade civil para a tomada de decisões. Neste contexto, o coletivo se reúne com a premissa de uma gestão horizontal e que permite a coparticipação dos que o integram. Entretanto, destaca-se que, apesar de todos os integrantes do grupo participarem das discussões e decisões, o “titular” do cargo, ou seja, o candidato eleito, é quem representa o grupo em vias burocráticas, de modo que ele faz os pronunciamentos no parlamento, assina os documentos, toma posse e recebe a remuneração.
Um dos primeiros registros desse tipo de candidatura é de 2002, na Suécia, quando discentes e docentes de uma escola secundária de Vallentuna criaram o partido Democratic Experiment (Demoex) visando disputar as eleições da cidade naquele ano. O grupo tinha como principal bandeira a ampla participação popular, na qual os eleitores, bem como quem compunha o partido, influenciariam diretamente o posicionamento do parlamentar. A candidatura saiu vitoriosa, e o processo de tomada de decisão se dava a partir de um website, onde a vereadora publicava os assuntos que seriam discutidos e os cidadãos inscreviam suas contribuições. Após avaliação dos questionamentos, a vereadora tomava tais posições nas votações da Câmara. A experiência trazida pelo grupo angariou êxito ao partido, ganhando mais adeptos e sendo reeleito em 2006 e em 2010.
No Brasil, a ideia de mandato coletivo foi experimentada, em moldes diferentes do pensado atualmente, em 1994, em cidades como São Paulo e Salvador, ainda que sem êxito eleitoral. Todavia, o modelo de representação mais próximo ao do registrado na Suécia veio após oito anos, durante as eleições municipais de 2016, em Alto Paraíso (GO). A candidatura em questão foi encabeçada pelo vereador João Yuji, à época do Partido Trabalhista Nacional (PTN), inspirado pelo Movimento Ecofederalista, defendendo a descentralização das instituições municipais e participação da sociedade civil nas decisões parlamentares.
De acordo com a pesquisa do Instituto de Psicologia da USP “Só a Luta Muda a Vida: Um estudo sobre lutas sociais e mandatos coletivos na atual crise da democracia brasileira”, entre 2016 e 2020 foram eleitos 30 mandatos coletivos no Brasil, com protagonismo ao estado de São Paulo, que contabiliza 15 casos de sucesso deste modelo. Concomitante a isto, outros dez estados registram mandatos eleitos, sendo eles: Pará, Maranhão, Ceará, Pernambuco, Bahia, Goiás, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Apesar de estar ganhando mais força desde 2016, ainda não há uma legislação eleitoral específica que regulamente o mandato coletivo, de tal modo que a relação entre parlamentares e “coparlamentares” ainda se dá a partir de um acordo informal entre quem o compõe. Diante disso, oficialmente o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) apenas autorizou, por meio de resolução publicada em dezembro de 2021, a inclusão do grupo ou coletivo de apoiadores na identificação do candidato nas urnas eletrônicas. Ressalta-se que o TSE esclarece que a candidatura continua sendo individual, apesar de promover o engajamento coletivo e social em sua composição.
Cabe salientar que alguns aspectos devem ser vistos com atenção ao se discutir mandatos coletivos, uma vez que apesar de visar dar mais força aos grupos e trazer maior participação social, esse pode desequilibrar o jogo eleitoral ou confundir os eleitores. A exemplo de que em caso de afastamento do titular, quem o substitui é o suplente e não outro membro do coletivo. Ademais, destaca-se que o filiado a um partido político só pode aparecer na propaganda de outro membro se os partidos estiverem oficialmente coligados.
Em 2018, foram registradas 12 candidaturas coletivas, já em 2022 foram 213 candidaturas. Todavia, apesar do aumento nítido dessas candidaturas, os números de mandatos eleitos ainda estão aquém do esperado. Em 2022, foram eleitas duas candidaturas de deputadas estaduais em São Paulo do Movimento Pretas por SP, representada por Mônica Seixas e por Paula Nunes, da Bancada Feminista, ambas pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).
Outrossim, não se deve-se deixar de lado que o novo formato de mandato atua diretamente na representatividade política ao buscar que grupos historicamente marginalizados, como mulheres, negros e a comunidade LGBTQIAP+ participem da política institucional. Os dados da pesquisa apontam que o modelo permitiu o aumento de mulheres e pretos nos mandatos, visto que os grupos estão representados em 46% e 37% das candidaturas coletivas contra 33% e 14% dos mandatos individuais.
Com isso, entende-se que a estrutura de mandato coletivo ainda possui mais força e proporção à nível estadual e municipal e que vem angariando resultados positivos quanto à aproximação entre a população e os representantes eleitos, ainda que timidamente. Concomitante a isto, visto o aumento de mais de 200 candidaturas entre uma eleição e outra, os estudos sobre o tema devem incentivar maiores discussões no âmbito eleitoral sobre o tema.