A última semana viu uma disputa entre manifestações contrárias e a favor do atual governo – grupos apoiadores de Bolsonaro haviam convocado atos para o dia 15 de março, com um forte tom anti-Congresso e Judiciário nas convocações – das quais o próprio presidente participou, em mensagens enviadas pelo WhatsApp. Em resposta, partidos e movimentos da oposição convocaram manifestações para o dia 18.
No entanto, com o agravamento da situação da pandemia do coronavírus no Brasil, algumas mudanças de plano foram necessárias. Embora o grupo bolsonarista tenha cogitado cancelar os atos do dia 15 devido à recomendação de evitar aglomerações – e Bolsonaro tendo sugerido adiar os atos em uma live com o ministro da Saúde – seus apoiadores decidiram manter o cronograma do dia 15 (utilizando, inclusive, a hashtag #DesculpaJairMasEuVou). O próprio presidente compareceu aos atos, contrariando as recomendações de seu ministro.
A oposição, por outro lado, preferiu substituir as manifestações por panelaços – uma forma de protesto que foi muito utilizada contra Dilma Rousseff em seu segundo mandato. Programados para iniciar às 20h30, tiveram uma prévia à tarde, durante pronunciamento do presidente e seus ministros. O presidente afirmou que os protestos eram parte da democracia, e convocou seus próprios panelaços para meia hora depois, às 21h.
O embate entre os dois protestos também se deu nas redes, com as hashtags #ForaBolsonaros e #PanelacoContraAEsquerda ocupando os primeiros lugares nos trending topics brasileiros na noite de quarta-feira. Quase uma semana depois, a mobilização alcançou outro pico na terça-feira (24) com um pronunciamento do presidente em que defendeu o fim das medidas de isolamento social. As palavras de ordem da vez foram #ForaBolsonaro contra #BolsonaroTemRazão. Como as redes têm ocupado um papel cada vez mais relevante na política – ainda mais em tempo de quarentena, em que meios tradicionais de manifestação não estão disponíveis - o Núcleo de Inteligência e Análise Política da BMJ Consultores Associados preparou uma análise sobre as disputas de hashtags.
As amostras de tweets coletadas foram as seguintes:
Segundo a Diretoria de Análise de Políticas Públicas da FGV, as hashtags de oposição somaram 220 mil tweets, contra 152 mil tweets de apoio no dia 18 de março. No dia 25 de março, segundo levantamento da consultoria BITES, o número de menções à #BolsonaroTemRazão chegou a 360 mil, e acusou mais de 800 mil até o final do dia.
O gráfico a seguir mostra a quantidade de tweets por minuto para o dia 18 de março. As duas mobilizações tiveram um volume semelhante de interações, mas a oposição apresentou maior pico e menos dispersão nas postagens.
O que se observou no próximo protesto foi uma reação ainda maior da oposição após o pronunciamento. Percebe-se que, diferentemente do dia 18, em que a ação a favor do governo já estava programada; o intervalo entre o pico de menções a #ForaBolsonaro e #BolsonaroTemRazao foi maior, da ordem de algumas horas. Além disso, o pico da mobilização bolsonarista foi notadamente menor (fato que foi compensado por uma movimentação continuada ao longo do dia 25).
Na nuvem de palavras sobre #ForaBolsonaros, vemos menções a outras hashtags como #AcabouBolsonaro, #VozesNaJanela, e termos como “impeachment”.
Também na mobilização de #ForaBolsonaro aparecem “impeachment”, “#BolsonaroGenocida”, “coronavírus” e “gripezinha”.
Já para o #PanelacoContraAEsquerda, há muitas menções a “presidente”, “Bolsonaro” e à “Globo”.
A tag #BolsonaroTemRazao focou em assuntos econômicos, com palavras destacadas sendo “desemprego”, “comida”, “trabalhar” e “#OBrasilNaoPodeParar”.
Considerando os retweets e citações, o #PanelaçoContraAEsquerda teve um total de 134396 interações por 29275 usuários, contra 88414 interações de 44557 usuários de #ForaBolsonaros. Isso significa que houve menos material original por parte do grupo bolsonarista – menos usuários reproduzindo mais material. No dia 18, foram apenas 15422 tweets originais (10%), em comparação a 28751 (25%) textos originais da oposição. Isso pode servir como um indicador importante de que a atuação do presidente e seus apoiadores na rede é altamente coordenada. No caso do dia 25, embora o nível de interações tenha sido semelhante, a oposição registrou o dobro de usuários engajados. Os níveis também foram semelhantes para o número de textos originais.
Podemos visualizar as interações e retweets do dia 18 em uma rede:
As interações do #PanelaçoContraAEsquerda reúnem principalmente páginas de influenciadores do bolsonarismo – contas como @taoquei1 e @leandroruschel estão por trás de quase todos as hashtags de apoio ao presidente no Twitter. Políticos incluem nomes como Carlos Jordy e Carla Zambelli. Alguns dos perfis que aparecem entre os que tiveram mais interações são possíveis robôs – no grafo, vemos alguns nomes de usuário com sequências de números aleatórios. O perfil @Andra31798838, por exemplo, foi criado em fevereiro e tem apenas 40 seguidores, o que pode indicar que seja uma conta fake ou automatizada, embora não seja possível afirmar com certeza.
Nas interações sobre #ForaBolsonaros, há a presença de políticos da oposição, como Vera Lúcia, Erika Kokay, Jandira Feghali e Dilma Rousseff, além de movimentos como a UJS e Mídia Ninja.
Considerando as movimentações dos dias 24 e 25, se olhamos quais perfis tiveram mais favoritos em seus tweets, vemos o mesmo padrão. Do lado bolsonarista, os dois recordes de favoritos são o perfil de apoio ao presidente @PATRlOTAS e a conta do senador Flávio Bolsonaro; da oposição, o político Guilherme Boulos, do PSOL, e o comediante Marcelo Adnet.
Que resultado podemos ver das manifestações virtuais? Primeiro, é muito mais fácil fazer barulho em uma rede social do que na vida real. O que se vê nas movimentações bolsonaristas no Twitter é muito ruído e pouco sinal: muito volume de posts, mas com pouco conteúdo distinto, com a finalidade de alavancar números e emplacar trending topics, ganhando visibilidade. No entanto, o barulho parece estar se fechando em uma bolha, pregando aos convertidos, sem muita capacidade de mobilização fora do bolsonarismo mais radical e fidelizado.
Segundo, embora tenha perdido em número de posts, a oposição ganhou em termos de número de usuários, com pelo menos o dobro do engajamento do que os apoiadores do governo. O fato de que as duas hashtags tenham rivalizado a um nível tão próximo mostra o crescimento das vozes de oposição. Ironicamente, o bolsonarismo nas redes sociais parece ter se tornado aquilo que criticava – uma “minoria vocal”, isto é, com menos pessoas, mas que gritam mais alto.
Na vida real, ao menos, os panelaços da oposição fizeram mais barulho, se repetindo por mais dias além do protesto combinado no dia 18. De fato, embora a mobilização nas redes sociais tenha ganhado destaque nos últimos anos, não se pode viver apenas de apoio digital – e talvez a crise do coronavírus já esteja provocando um declínio de sua posição. Uma pesquisa do Datafolha mostra que, com a epidemia, a confiança em mídias tradicionais aumentou, contra uma redução na confiança em mídias sociais. Embora a relação entre redes sociais e política ainda não seja um fenômeno totalmente claro, ela é, ainda assim, altamente relevante. E, nas próximas semanas, devemos continuar ouvindo as vozes tanto de panelas como de tweets.