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Os fundamentos legais para divulgação da agenda de governadores

Escrito por Theresa Hoe | 05/12/2021 12:00:00

O princípio da publicidade é um dos princípios norteadores da Administração Pública. Preceitua o artigo 37, caput, da Constituição Federal:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...) [g.n.]          

Em regra, portanto, os atos praticados por todos os Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), de qualquer dos níveis da federação (União, estados e municípios), deverão ser publicizados e disponibilizados para acesso público, sendo o sigilo uma exceção. De acordo com Gilmar Mendes, o princípio da publicidade

(...) está ligado ao direito de informação dos cidadãos e ao dever de transparência do Estado, em conexão direta com o princípio democrático, e pode ser considerado, inicialmente, como apreensível em duas vertentes: (1) na perspectiva do direito à informação (e de acesso à informação), como garantia de participação e controle social dos cidadãos (...), bem como (2) na perspectiva da atuação da Administração Pública em sentido amplo (...).[1]

Para amparar a princípio da publicidade e a transparência na gestão pública, em 2011 foi publicada a Lei 12.527 – Lei de Acesso à Informação, que regulamenta o acesso dos cidadãos às informações publicadas, e é aplicável aos três poderes e a todos os entes federativos.

A Lei de Acesso à Informação disciplina formas e prazos para atendimento dos pedidos de informação realizados pelos cidadãos, mas também determina que algumas informações devem ser divulgadas proativamente pelo Poder Público, ou seja, independente de solicitação. O art. 8º da referida lei dispõe:

Art. 8º É dever dos órgãos e entidades públicas promover, independentemente de requerimentos, a divulgação em local de fácil acesso, no âmbito de suas competências, de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas. [g.n.]

Em 2013, como forma de assegurar a transparência dos atos de autoridades no âmbito do Poder Executivo Federal, evitando o conflito de interesses e uso de informações privilegiadas nas ações de agentes públicos, foi sancionada a Lei 12.813, originada do Projeto de Lei 7528/2006, que apresentava, entre suas justificativas, a adequação da legislação brasileira à Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção e a prevenção da atuação de servidores públicos sob influência de interesses privados.

A Lei 12.813/2013 traz, expressamente, a previsão de publicação diária da agenda de determinados agentes públicos do Executivo Federal. A regra foi, ainda, reforçada com a edição da Resolução Nº 11, de 11 de dezembro de 2017, da Comissão de Ética da Presidência da República.

Ocorre que, tanto a Lei 12.813/2013, como a Resolução 11/2017, deixam de fora de seu alcance o chefe do Executivo – apenas ministros de Estado, presidente, vice-presidente e diretor, ou equivalentes, de autarquias, fundações públicas, empresas públicas ou sociedades de economia mista, e alguns assessores estão sujeitos à obrigatoriedade de publicação da agenda.

Da mesma forma, na esfera estadual e municipal não há nenhuma norma de caráter geral que obrigue a divulgação dessas informações por parte de governadores e prefeitos, portanto em muitos estados não é possível ter acesso à agenda dessas autoridades.

O tema é objeto de discussão em algumas Casas Legislativas e há normas em vigor em alguns estados e municípios. Nota-se que, em dois casos, apesar da aprovação do projeto de lei pelo legislativo, a proposição foi vetada pelos governadores.

Abaixo, listamos as proposições encontradas na esfera estadual e, em seguida, as legislações em vigor:

  • Amapá: Projeto de Lei nº 0031/16-AL – o projeto foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça, mas vetado integralmente pelo então governador, no ano de 2016. O veto ainda aguarda apreciação da Assembleia.
  • Ceará: Projeto de Lei nº 74/15 – o projeto foi rejeitado em 2016.
  • Paraíba: Projeto de Lei nº 1145/2019 – o parecer da Comissão de Administração, Serviço Público e Segurança pela aprovação do projeto foi rejeitado pela maioria, em 2021.
  • Rio de Janeiro: na ALERJ tramitavam dois projetos prevendo a obrigatoriedade na divulgação da agenda de autoridades estaduais. O Projeto de Lei nº 1378/2016 foi arquivado em 2019, e o Projeto de Lei nº 772/2019 está na Comissão de Constituição e Justiça, sob relatoria do deputado Rodrigo Bacellar (SOLIDARIEDADE).
  • Santa Catarina: Projeto de Lei nº 0184.2/2015 – o projeto foi vetado pelo governador, em 2019, e o veto foi mantido pela Assembleia Legislativo. O projeto, portanto, foi arquivado.

O Espírito Santo foi o único estado onde foi encontrada uma lei em vigor sobre o tema. A Lei nº 10.952, 11 de dezembro de 2018, determina que governador, vice-governador, secretários de estado e agentes públicos ocupantes dos cargos de presidência em empresas e fundações públicas devem divulgar, diariamente, pela internet, suas agendas de compromissos públicos.

As Controladorias Gerais do Distrito Federal e do Paraná editaram atos normativos que obrigam a divulgação da agenda de secretários, mas em ambos os casos não há previsão de obrigatoriedade para os governadores.

Com relação aos municípios, foi localizado um decreto da cidade do Rio de Janeiro – Decreto 49075, de 05 de julho de 2021 – que disciplina a divulgação da agenda de compromissos do prefeito, vice-prefeito, secretários e subsecretários do município. O Decreto regulamenta disposição contida no Decreto Rio nº 48.349, de 1º de janeiro de 2021, que dispõe sobre a criação do Programa Carioca de Integridade Pública e Transparência (Rio Integridade).

Apesar do mandamento constitucional e da existência de legislação que amparam o acesso à informação, os chefes do Executivo se aproveitam da falta de previsão expressa para não tornarem pública suas agendas. É importante ressaltar que a falta de transparência viola o princípio da publicidade da Administração Pública e levanta questionamentos acerca da possibilidade de conflitos de interesses na condução do cargo.

Ressalta-se, ainda, que a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, da qual o Brasil é signatário, não faz distinção de cargos na definição de funcionário público, abrangendo, para fins de aplicação das recomendações, todas as pessoas que ocupam cargo legislativo, executivo, administrativo ou judicial de um Estado.

Assim, a falta de previsão expressa vigente no país, que obrigue prefeitos e governadores a divulgarem suas agendas de compromissos, não é impedimento para acesso a essas informações, sendo possível fazer a solicitação desses dados por meio de pedido de acesso à informação.

 

[1] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 14ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 947.